Varāha Pralaya (o “Dilúvio”)
Apresentaremos um brevíssimo resumo
da narrativa do Varāha Pralaya conhecido entre as religiosidades Abrahâmicas
como “dilúvio”. Nosso resumo, embora breve, é relevante tendo em vista que
aquilo que foi registrado pelos letrados Sumérios e Babilônios foi
posteriormente bastante reduzido nos textos da Torah judaica que formam a base
do que é, hoje, conhecido como “bíblia”.
O Varāha Pralaya é descrito em vários
Purāṇas e tomaremos como referencia o Kālikā Purāṇa que é aquele mais
intimamente relacionado à tradição Tântrica. Observemos a importância do Kālikā
Purāṇa através da preservação e constante utilização de Mantras que foram
revelados naquela escritura e que são recitados por várias escolas Tântricas.
Os capítulos do Kālikā Purāṇa que
se referem ao Varāha Pralaya vão do 30 ao 34 sendo que os capítulos 30 e 31 nos
remetem as origens históricas e metafísicas que tornaram o dilúvio necessário. A
narrativa propriamente dita inicia-se no capitulo 32. O Rshi (“profeta”) que
descreve a narrativa é Markandeya, o mesmo registrou para a humanidade o Markandeya
Purāṇa e o Chaṇḍi Patha, a importante escritura recitada em grandes cerimônias de fogo
realizadas por Tântricos e Shaktas ao redor do mundo. Vamos ao nosso resumo.
O sábio Kapila Muni surgiu durante
o governo e regência de Svāyambhuva Manu e o procurou para ter um de seus
desejos atendidos: obter um local para realizar suas disciplinas espirituais. Svāyambhuva
Manu lhe replicou que nenhum dos sábios anteriores lhe havia pedido um local e
que, no mundo, haviam muitos Templos sagrados para ele praticar suas
disciplinas.
A réplica de Svāyambhuva Manu
deixou Kapila Muni muito irado e ele disse que, em breve, Svāyambhuva veria
todo o mundo totalmente destruído, aniquilado, e submerso nas águas e que isso
acabaria com seu orgulho e arrogância. Após estas palavras Kapila Muni
desapareceu e não foi mais visto.
Aterrorizado, Svāyambhuva Manu
silenciou-se e decidiu realizar intensa Tapasya (austeridades espirituais). Ele
se dirigiu à sagrada arvore Badari (“Joazeiro”, Ziziphus Jujube) na nascente de
um rio. Ali a arvore fornecia sombra permanente, estava sempre verde e plena em
frutos, não apresentava nem espinhos e nem folhas secas. Aquela arvore estava
sempre úmida pois recebia gotas que espirravam do rio e era adorava por inúmeros
sábios.
Ali Svāyambhuva Manu recitou o
Mantra “Saudações à VasuDeva, Aquele que tem a forma do conhecimento puro”. Então
o Senhor Deus Viṣhṇu apareceu à Svāyambhuva Manu na forma de um pequeno peixe
esverdeado como a sagrada grama Durva (grama Bermuda, Cynodon Dactylon). O
peixe se dizia assustado e pediu que Svāyambhuva Manu o protegesse. Isso foi
feito. Primeiro o peixe foi levado à uma aquário e depois à um grande lago e Svāyambhuva
Manu cuidava dele como se fosse seu próprio filho.
O peixinho tornou-se enorme,
gigantesco, e precisou ser retirado do lago. Svāyambhuva Manu temeu não conseguir
retirar o enorme peixe e levá-lo para o oceano porém ao pegá-lo surpreendeu-se
ao perceber sua leveza. Ao refletir sobre a leveza daquele animal Svāyambhuva
Manu lhe disse: “Oh bondoso Mahattara (Grande Alma), me diga a verdade, se isto
não for um segredo. Tu és Brahma, Viṣhṇu ou Shambhu em forma de peixe. Quem és
tu ?”
Então o Senhor Deus Viṣhṇu falou
através do peixe, foi propiciado por hinos e proclamou numa voz profunda como
os trovões: “Tu tens me adorado e lhe darei o que pedires”. Svāyambhuva Manu
então relatou as palavras de Kapila Muni e implorou que o mundo não fosse
submerso pelas águas.
O Senhor Deus Viṣhṇu disse que
as palavras de Kapila Muni eram verdadeiras e que nada poderia ser feito e
orientou as medidas para que Svāyambhuva Manu construisse um imenso barco para
acomodar todos os seres vivos e repovoar a Terra. Ele garantiu que Jagaddhatri,
a Mãe do Mundo, usaria sua Maya, seu poder espiritual, para que as cordas de
amarração do barco fossem indestrutíveis. Todas as sementes do mundo, os livros
sagrados dos Vedas e sete Munis (sábios) deveriam ser levados ao barco. Afirmou
que atenderia à todos que recitassem o Mantra previamente usado para evocá-lo e
disse também que após consultar o sábio Dakṣha Ele (o Senhor Deus) deveria ser
novamente evocado e que se apresentaria prontamente.
Svāyambhuva Manu fez com que as
orientações do Senhor Deus Viṣhṇu fossem cumpridas. Arvores foram cortadas para
se obter a madeira necessária, a corda e tudo foi preparado de acordo. O dilúvio
veio e o barco esteve à salvo até a descida das águas. Com o recuo das águas o
barco ancorou-se ao Oeste dos Himalayas. Então os Senhores Deuses Brahma, Viṣhṇu
e Śhiva apareceram diante do barco e falaram à Nara e Narayana, à Dakṣha, à Svāyambhuva
Manu e aos sete sábios. À Nara e Narayana foi orientado que restabelecessem os
Deuses e seus cultos em seus lugares e que novos locais fossem criados. Svāyambhuva
Manu foi orientado à replantar as ervas, plantas e arvores cujas sementes
estavam estocadas. Dakṣha e os sete Grandes Sábios foram orientados à
estabelecer os três altares de fogo (Garhapatya, Ahavanya e Dakshina), realizar
os Yajñas (sacrifícios) e propiciar o Senhor Deus Viṣhṇu de forma que a Criação
pudesse prosperar e expandir-se. Segue-se então a narrativas das centenas de
descendentes daqueles que estavam no barco.
Que a Divina e Eterna Mãe Kali
nos proteja sempre.
Índice dos capítulos consultados e seus sumários:
Kālikā Purāṇa, capitulo 30 – Conflito entre Varāha (forma do Senhor Deus Viṣhṇu)
e Sharabha (forma do Senhor Deus Śhiva). A parte final deste capitulo informa
sobre os Varāha Ganas (“tribos” de Varāha) e os Sharabha Ganas (“tribos” de
Sharabha) e a destruição completa dos primeiros devido à superioridade bélica
dos Sharabha Ganas.
Os Varāha Ganas se alimentavam de frutas, flores, raízes e água e são
descritos como não sendo cruéis em suas ações. Os Sharabha Ganas, também
conhecidos como Pramathas, são descritos como aqueles que alimentavam-se de
carne no ChaturDashi (décimo quarto dia lunar).
Kālikā Purāṇa, capitulo 31 – Com o desencarne de Varāha todos os rituais,
os sacrifícios (Yajñas), surgem. Cada parte do corpo de Varāha deu origem á
determinados tipos de rituais.
Kālikā Purāṇa, capitulo 32 – Svāyambhuva Manu é advertido pelo sábio
Kapila sobre um futuro dilúvio que destruiria todo o planeta Terra.
Kālikā Purāṇa, capitulo 33 – Svāyambhuva Manu entra em severas
austeridades em busca da Divindade para saber como agir. O Senhor Deus Viṣhṇu apresenta-se
à ele em sua forma de Matsya Avatara e o instrui como se salvar e salvar todo o
conhecimento existente até então.
Kālikā Purāṇa, capitulo 34 – O barco construído é salvo em terra e os Senhores
Deuses Brahma, Viṣhṇu e Hara (Śhiva) aproximam-se para instruir Svāyambhuva
Manu, Dakṣha, Nara e Narayana e os sete Munis (sábios) sobre a reconstrução do
mundo. As descendências daqueles que estavam no barco são descritas.