sexta-feira, 17 de dezembro de 2021

Yoga e Moksha

 

 

Auto-proclamados(as) Yogues e Yoguinis abundam na Internet e não faltam opiniões pessoais, muitas vezes sem o devido embasamento, citadas como se fossem referencias escriturais. É muito fácil pegar uma palavra ou um termo escritural e copiá-lo sem ter o menor conhecimento de seu significado.  

 

Junto com a palavra “Yoga” um dos termos mais prostituidos na internet é “Moksha”. Apreciemos inicialmente seus significados e a relação entre ambos: 1. Moksha vem do verbo Sânscrito Muc/Mokshyati e significa desamarrar, libertar. 2. Já a palavra Yoga vêm do verbo Yuj/Yojate cujo significado é atrelar, colocar sob jugo.

 

Pois bem, salta aos olhos o aparente paradoxo destes termos geralmente usados em conjunto e até mesmo dentro de uma mesma referencia escritural. Nos textos o Yoga nos é apresentado como uma etapa prévia ou um processo, uma metodologia à ser seguida para a obtenção de Moksha – a Libertação Final.

 

Mas, como poderia o resultado obtido ser diametralmente oposto ao caminho seguido ? Este enigma pode nos remeter aos dizeres da esfinge: “Decifra-me ou te devoro” e, talvez, a apreciação da divina suástica, um dos símbolos do Senhor Ganesha (Aquele que abre as portas para o conhecimento) possa nos ajudar em nossas reflexões.

 

Da mesma forma que as linhas de uma suástica, à principio sigam direções diferentes e, após uma mudança, destinem-se ao ponto central, o Yoga possa nos fornecer os “pré-requisitos” necessários para a obtenção de uma verdadeira Liberdade (Moksha) se houver sinceridade em nossa busca e estivermos dispostos à mudar a direção imposta pelo ego às nossas vidas.

 

Observemos, logo de inicio, que Moksha não é o destino direto do Yoga. Moksha é o ultimo dos quatro Purusharthas, ou seja, dos quatro objetivos da vida humana. Antes de Moksha há a necessidade de viver em harmonia (Dharma), ter autonomia existencial (Artha) e ter suas aspirações e legítimos desejos saciados (Kama).

 

A moda do individualismo pode tentar legitimar uma busca espiritual solitária, autista, anti-social mas não é esta a perspectiva do Dharma. Antes de seguir em suas Sadhanas ou em seu Yoga o adepto deve aprender a conviver com todos na sociedade à sua volta.

 

Como alegar progresso espiritual com um coração distante dos familiares ou do pai e da mãe que são nossos primeiros Gurus ?

 

Como afirmar “Liberdade” (Moksha) se estivermos dentro dos limites do provimento (Artha) de terceiros ou se fugimos dos parentes e colegas de trabalho por não os suportarmos ?  

 

Como se considerar “auto-realizado(a)” (em Moksha) se remoermos o recalque e a frustração de amores não vividos, abraços não recebidos e amor não partilhado (todos estes aspectos de Kama) ?

 

Está claro que Moksha não se obtém de maneira compartimentada, neurótica, autista, mas que esta (auto)realização está repleta de desafios, batalhas e aflições pessoais.

 

A alegação de buscar Moksha por parte daqueles que não realizam nenhum esforço para obter Yoga é, no mínimo, imatura. As metas iniciais da jornada espiritual não são cultivo do ego nem tampouco caprichos em busca de honrarias. As metas iniciais, ou seja, a obtenção de Dharma, Artha e Kama são essenciais para que a busca de Moksha não seja apenas uma fuga covarde do mundo real.

 

A verdadeira espiritualidade não é uma desculpa de fugitivos do mundo, nem uma justificativa para fracassados. A realização de Moksha é a coroação de uma vida plena e bem vivida. Celebrada em cada momento especial, que é como um “Festival” (Utsava) para a alma. (Re)Encontrar o Guru de sua vida, carregar tijolo por tijolo para a construção de algo que será deixado para a posteridade, viajar para lugares distantes pelo simples prazer de recitar o mesmo Mantra de sempre (Diksha Mantra) num local diferente são aspectos da alma que vibra em Aishvarya (capacidade de agir), que se move em Vairagya (desapego e bravura até diante de seus próprios temores internos) e que caminha em direção de Jñana (conhecimento). Os mortos apenas permanecem deitados até que o sopro divino lhes toque o coração.

quinta-feira, 9 de dezembro de 2021

Satmya

Sātmya 

Namaste,

Já temos tratado, à algum tempo, da questão do ritmo pessoal no progresso nas Sadhanas. Há Sadhakas que vão pouco à pouco se aventurando nesta jornada espiritual enquanto outros avançam rapidamente. Poderíamos afirmar com sobriedade que haveria uma atitude “melhor” do que a outra ? Certamente não ! Uma jornada espiritual não é um “curso” nem um “seminário”, ela não tem conteúdo programado nem tampouco provas de nivelamento para “atingir” uma turma mais adiantada. Tudo ali funciona de forma orgânica e natural tal qual a brincadeira de crianças num jardim.

 

Este ritmo natural, pessoal, saudável é chamado de Satmya – a linearidade que permite que nos reconheçamos numa linha de tempo. Tomemos um exemplo: embora hoje sejamos diferentes de quando éramos crianças há uma continuidade de experiências que vão se somando e que possibilitam nos identificar como um único individuo passando por sucessivas transformações ao invés de nos ver como distintos indivíduos não-conectados entre si. Esta consciência de continuidade é originada em Satmya.

 

O respeito à Satmya é essencial à continuidade harmônica de um individuo, de uma linhagem familiar ou de uma sociedade. No Ayurveda bem aplicado há este respeito para com a estrutura vigente do individuo e suas rotinas e cada nova mudança na dieta ou estilo de vida é apresentada de forma suave e equilibrada.

 

Nas disciplinas espirituais dos Tantras não poderia ser diferente. Cada um tem seu próprio tempo para que o Mantra amadureça em sua mente e as profundas transformações possam surgir de dentro para fora. A eventual tentativa de romper com esta naturalidade é chamada de Jñana Aparadha – Ofensa à Sabedoria, e alguns sintomas podem ser observados diante desta ocorrência.

 

Ao tentar romper com o anterior ritmo saudável a parte mais frágil da estrutura psíquica, ou seja, aquela que pode imaginar-se descontinuada – o Ahamkara ou “ego” – tentará certamente se proteger. Esta reação do ego se mobiliza através de várias estratégias que podem apresentar-se de forma simultânea ou sucessiva: a. negação das experiências vividas; b. fragmentação da tradição (Sampradaya) ou c. simples abandono da Sadhana. Vejamos cada uma em detalhes.

 

A possibilidade de uma intensa experiência pessoal na transmissão de um Mantra, mesmo que prazerosa, pode ser sentida como uma ameaça à rotina previamente bem estabelecida do Sadhaka. Isso pode levá-lo à negação e/ou “esquecimento” do que viveu de forma à retornar ao mesmo ponto anterior sem eventuais sentimentos de “culpa”.

 

A tentativa de fragmentação da tradição ocorre quando o Sadhaka ancora as experiências vividas porém recusa-se á um progresso continuado. O ego então passa à julgar e configurar a tradição de forma á satisfazer sua concepção de mundo. Surgem frases como “o Mantra eu faço mas isso ou aquilo eu não aceito ...”, “quero fazer tais práticas mas não vejo utilidade na preparação prescrita” etc.

 

Caso as estratégias anteriores não se mostrem viáveis resta ao ego temeroso da intensidade das experiências vindouras ou indisposto ao peso de novos compromissos a alternativa de simplesmente abandonar a jornada nesta vida.

 

Chega então o momento de refletir diante destas possibilidades e uma sólida base escritural pode nos ajudar nesta reflexão. Os Kaula Tantras afirmam que após sucessivas reencarnações a alma individual amadurece para as experiências deste Dharma. Essa é uma jornada de muitas vidas e certamente vários Sadhakas de hoje já trilharam este caminho anteriormente.

 

Diante disso podemos estabelecer uma linha de ação adequada:

a.      Amar e acolher sempre. Respeitando as diferenças de estilo, “temperamento” e disponibilidade de cada um.

b.     Ensinar sempre de acordo com aquilo que é perguntado, ou seja, sem pressupor “saber mais”. Num dialogo cada pergunta revela muito mais sobre o preparo do aluno do que sobre o conhecimento do professor.

c.      Proteger sempre. Cada família espiritual é uma linhagem de conhecimento e de amor e, da mesma forma que nas famílias sanguíneas, cabe aos mais preparados tomar a frente e orar pelos irmãos mais jovens no caminho.

d.     Partilhar sempre. Cada desfrute e até mesmo pequenas alegrias que temos em vida vem de nossos méritos espirituais adquiridos através da correta ação. Que possamos inspirar aqueles á nossa volta no caminho da retidão.

e.      Servir sempre. É pelo serviço desinteressado oferecido através de nossas aptidões que acumulamos mais rapidamente méritos espirituais.

 

O Tântrico ensina para proteger, protege para partilhar, partilha para servir e serve através de seus ensinamentos.

 

Jaya Ma.


 

quarta-feira, 10 de novembro de 2021

Vijñana Bhairava Tantra

 

यथा लोकेन दीपस्य किरणैर्भास्करस्य च 

ज्ञायते दिग्विभागादि तद्वच्छक्त्या शिवः प्रिये 

yathā lokena dīpasya kiraṇairbhāskarasya ca   |

jñāyate digvibhāgādi tadvacchaktyā śivaḥ priye   ||

 

“Óh Querida, da mesma forma que, através da luz de uma lamparina ou dos raios do Sol, os diferentes aspectos de um espaço são conhecidos, é através de Shakti (a Mãe Divina) que o Senhor Shiva é conhecido”.

Vijñana Bhairava Tantra verso 21.

 

Comentário: Shiva e Shakti são apreciados com igualdade nos Tantras e o Sadhaka, o adepto iniciado, sabe que esta terminologia transcende mundanas questões de genero.

 

No Kaula Tantra, Shakti é definida como “Kula” enquanto Shiva é definido como “Akula”. Estas definições merecem nossa atenção especial.

 

A palavra Kula significa familia ou dinastia. Em contextos escriturais ela se refere à tudo o que pode/deve ser organizado, ao desejo de elevação espiritual assim como aos compromissos internos que assumimos.

 

Já a palavra Akula significa destituido ou desapegado. Nos Tantras ela se refere ao que vagueia livremente, à absoluta satisfação com o Si-mesmo, à ausencia de interesses e compromissos.

 

Shiva e Shakti são representados mutuamente apaixonados, em um eterno jogo de amor. Há um pulsar, um ir e vir, expansão e contração. Esta analogia reflete o pulsar de tudo aquilo que é Vida !

 

Para o Sadhaka este pulsar se manifesta em sua vida espiritual, nos multiplos aspectos de sua vida pessoal assim como na sua interação com a sociedade à sua volta. “Saber pulsar” significa saber adaptar-se à tudo o que o mundo nos oferece, saber apreciar o ato de amor de Shiva e Shakti. Celebremos o Pulsar da Vida (Sat), a Consciência que permite-nos apreciar (Cit) e a Bem-Aventurança (Ananda). Sat Chit Ananda ! Jaya Ma !

segunda-feira, 8 de novembro de 2021

Siga seu próprio Dharma


 

शिवस्य हृदयंविष्णुर्विष्णोश्च हृदयंशिवः 

śhivasya hṛdayaṁviṣhṇurviṣhṇośca hṛdayaṁśhivaḥ   ||

 

“O coração (a “essência”) de Shiva é Vishnu, o coração de Vishnu é Shiva”.

 

Comentário: Observamos que alguns Puranas Vaishnavas afirmam uma superioridade de Vishnu enquanto Shaiva Puranas afirmam o mesmo sobre Shiva. Porém esta é apenas uma maneira de reafirmar a necessidade de ter um caminho bem claro e definido embora ambos os caminhos levem aos mesmos frutos. Ou pratica-se um Dharma Vaishnava ou pratica-se um Dharma Shaiva. Cada um destes Dharmas possui suas próprias peculiaridades.

 

O homem confuso, deslumbrado com o igual esplendor de ambas as formas arrisca-se a inventar caminhos que levam apenas à ofensa de ambas as formas da Divindade. Não se deve pisar nos Templos de Vishnu com a poeira dos cemitérios em seus pés ou com adornos de ossos, da mesma forma não se deve realizar as disciplinas espirituais (Sadhanas) de Shiva vendo o Supremo Senhor, o Guru Primordial apenas como um serviçal de um terceiro ......

 

Sem um Guru, seja ele Shaiva ou Vaishnava, o homem perdido pode até dar vazão à seus caprichos e se imaginar uma bizarra mistura como um “Vaishnava Aghori” ou outras fantasmagorias porém, no devido tempo, todos colhem o amargo fruto de suas práticas. 

 

É preferível seguir o seu próprio Dharma mesmo que parcialmente do que seguir o Dharma de terceiros com perfeição. 

sábado, 11 de setembro de 2021

Afinal, basta “ter fé” nos Tantras para que alcancemos os frutos prometidos por esta tradição ?

 

Primeiro devemos analisar quais seriam os frutos (KarmaPhala) das disciplinas espirituais (Sadhana-s) descritas nos Tantras. Estes frutos são Bhukti (o desfrute da vida) e Mukti (Libertação Final). Ambos, repetidamente mencionados nas escrituras Tântricas, são a continuidade dos Purushartha-s (objetivos da encarnação humana) descritos e legitimados pelos Vedas: Dharma, Artha e Kama que podem ser resumidos como “Bhukti” e Moksha que também é conhecido como “Mukti”.  

 

Uma vez que tenhamos refletido e compreendido estes objetivos devemos analisar a metodologia proposta nas escrituras Tântricas. Ali também se usa o termo “Bhakti” porém não no mesmo sentido de outros Dharmas que sofreram uma maior sincretização com as tradições Abrahamicas. Vejamos, então, ao que se refere “Bhakti” nos Tantras.

 

A palavra “Bhakti” vêm do verbo Bhaj/Bhajati que significa partilhar (um bem ou objeto) ou alocar-se (numa atividade). Portanto o Bhakta de uma das formas da Divindade é aquele que partilha uma experiência ou estado relativo à este mesmo(a) Deva ou Devi. O Bhakta também pode ser entendido como aquele que dedica-se as mesmas atividades descritas ou atribuídas à forma da Divindade sobre a qual ele se interessa ou “adora”. Sob este aspecto o Bhakta também é chamado de “Sadhaka”, ou seja, aquele que se esforça para atingir a perfeição numa determinada disciplina.

 

Este Sadhaka é o ponto central das disciplinas espirituais dos Tantras. Ele é aquele que cultiva as aptidões e age seguindo o exemplo dos atributos da Divindade descritos nas visualizações (Dhyana-s) escriturais e preconizado nas injunções (Vidhi-s) orientadas para garantir o sucesso de seus esforços.

 

O sucesso nestes esforços é descrito como as várias formas de transe místico (Samadhi) apresentados no Yoga Sutra escrito pelo sábio Patañjali. Observemos alguns destes estados e teremos uma clara referencia que o seu alcance não se deve à uma fé ou crendice mais sim à responsável disciplina ao seguir a metodologia sugerida. O Yoga Sutra não tem seu foco na crença pessoal (Shraddha) daquele que age mais sim na ação em si.

 

Salokya Samadhi, Sarupya Samadhi e Sadrishya Samadhi se referem respectivamente à aquele que percebe-se no mesmo “local” ou estado onde a forma da Divindade habita; àquele que se vê como a própria Divindade; e àquele que assume o mesmo ponto de vista e, portanto, executa as mesmas ações que a Divindade, tornando-se um representante desta sobre a Terra.

 

Em resumo, Bhakti nos Tantras é ação e não apenas fé. Ação constante (Nitya), disciplinada (Sadhya) e devidamente aprendida através de um Guru (Shishya).

 

Na foto: uma das formas iradas do Senhor Ganesha – Vira Ganapati, responsável por garantir acesso aos conhecimentos mais profundos somente após o devido preparo.


 

domingo, 1 de agosto de 2021

Śhakti Vipat

Namaste,

 

Por favor observem um ponto que o Sādhaka avançado deve sempre atentar: sob a perspectiva da ciência ritualística a oferenda especial (Viśheṣha) é algo superior ou além da oferenda comum (Sāmānya) porém ela não deve ser apresentada por si só - sāmānyāt evam viśeṣaḥ, ou seja, algo só pode ser considerado “especial” diante de algo considerado “comum”.

 

Na ausência do “comum” aquilo que seria “especial” torna-se, ele próprio, comum. O “algo comum” (Sāmānya) é o alicerce (Aṅga) que sustenta aquilo que é especial.

 

O hábito de ignorar este aspecto e reduzir o especial à algo comum leva à “quebra” de Śhakti (Śhakti Vipat) devido à inversão estrutural e pode tornar-se a causa da queda de muitos adeptos deslumbrados por constantes “novidades”.

 

A separação das disciplinas espirituais e Pūjās em Nitya Karma (ação cotidiana) e Naimittika Karma (ações ocasionais) está baseada no conceito de Sāmānya/Viśheṣha e visa evitar Śhakti Vipat, ou seja, a quebra de Śhakti. Cada festival ocasional (Utsava) tem suas próprias peculiaridades e seu próprio momento.

 

A Sādhana cotidiana (Nitya Karma) deve ser mantida o mais simples possível. O "algo à mais" pode ser acrescentado quando oportuno mas não deve tornar-se rotina se não houver absoluta certeza da capacidade em mantê-lo.

 

Essa dinâmica de Śhakti, ou seja, essa variação de freqüências energéticas, é um dos motivos pelos quais o Guru deve ser sempre consultado diante de duvidas quanto à procedimentos ou práticas especificas.

domingo, 28 de março de 2021

O festival do Holi


 

O que festeja-se no Holi ?

 

Em certa época os céus eram atormentados por um Asura chamado Tarakasura (aquele que se manifesta entre as estrelas). O Senhor Indra, responsável pela segurança e bem estar dos Devas, informou-se sobre os poderes deste Asura e soube que ele só poderia ser destruído por alguém que fosse filho de Shiva e Shakti. Entretanto, na ocasião, este filho ainda não existia.

 

Indra então orientou KamaDeva, o Senhor que rege todas as paixões, à instalar um amor avassalador nos corações de Shiva e Shakti. O dia escolhido para faze-lo foi o Vasanta Panchami, o auspicioso quinto dia lunar que marca o inicio dos ritos e preparativos para a chegada da Primavera. KamaDeva foi primeiro à Shakti e, com suas flechas, a tornou ainda mais linda e encantadora aos olhos de Shiva. Isso feito foi ao encontro de Shiva e o encontrou em profunda meditação. Mesmo temeroso diante da imprudência de interromper a Sadhana de MahaDeva, o Senhor Kama atirou suas flechas.

 

Ao ser atingido Shiva abriu seus olhos e contemplou a beleza de Shakti mas logo percebeu que a interrupção de sua Sadhana era artifício de KamaDeva. Irado Shiva emanou Kala Agni, o terrível fogo da destruição final, sobre Kama e o reduziu imediatamente à pó.

 

Diante da perda de KamaDeva a Deusa Rati, sua esposa, ficou inconsolável e retirou-se para realizar austeridades espirituais (Tapasya) e trazê-lo de volta. Após 40 dias e noites de muitas disciplinas os méritos espirituais acumulados (Punya) por Rati ressoaram no coração do Senhor Shiva e ele decidiu trazer KamaDeva de volta. Porém agora KamaDeva não tinha mais um corpo físico e portanto passou à ser conhecido como “Ananga” (Aquele que não possui um corpo).

 

Felizes com o retorno de KamaDeva (a paixão) acompanhado de seu irmão Vasanta (a estação da Primavera) todos os seres festejaram usando pós coloridos e perfumados. As ruas, Templos e jardins se encheram de cores e um novo ciclo se iniciou. Shiva e Shakti realizaram suas núpcias e daí nasceu Kartikeya que destruiu Tarakasura mas essa já é uma outra narrativa ....... 

quinta-feira, 18 de março de 2021


 

Há homens e mulheres capacitados à executar procedimentos que a imensa maioria da população não seria capaz de realizar com eficiência ou segurança. Observemos técnicas usadas por profissionais das áreas de saúde ou de segurança e perceberemos que há ali não apenas um conhecimento especifico mas também um dedicado treinamento que possibilitou aquela capacitação. Confiar apenas em critérios subjetivos como “boas intenções” ou “força física” não garante que os resultados desejados sejam alcançados.

 

Da mesma forma a bem-sucedida execução das disciplinas espirituais do Tantra ou, de seus ritos, não é obtida apenas pela leitura de suas escrituras ou de um dos livros dos inúmeros romancistas que comentam à respeito. O apreço ou até mesmo a “fé” não serão de muita utilidade sem a devida orientação e Sadhana.

 

Por isso vários ritos Tântricos são reservados aos seus iniciados, não porque haja algum segredo mas sim porque aqueles homens e mulheres estão treinados e preparados para lidar com forças sutis, muitas vezes imperceptíveis ao não-iniciado, atuantes nestas práticas.

terça-feira, 2 de março de 2021

Falsos Gurus

 

Sociedades organizadas possuem  diferentes graus de especializações de forma que cidadãos capacitados executem funções para as quais foram preparados e possam garantir segurança, bons resultados e correta transmissão de conhecimento conforme o caso.

 

Mas nem sempre as coisas funcionam de uma maneira sensata, justa ou até mesmo honesta, ou seja, uma maneira baseada no Dharma, numa interrelação harmoniosa e equilibrada.

 

Os escândalos que regularmente surgem envolvendo falsos médicos, falsos

advogados e até falsos desportistas e falsos Gurus demonstram que alguns cidadãos não tem respeito pelo conhecimento, empatia pelo próximo ou ética em suas relações.

 

Enquanto os falsos médicos e advogados respondem diante da justiça pelos crimes de falsidade ideológica e exercício ilegal da profissão o mesmo não ocorre com falsos desportistas ou falsos faixas preta e também com falsos Gurus.

 

Até o meio desportivo sofre com elementos que desejam ostentar uma posição para a qual não estão preparados. No Jiu Jitsu, por exemplo, falsos faixas preta são regularmente identificados e denunciados porém estes casos raramente vêm à conhecimento publico e ficam restritos aos ambientes das academias e federações.

 

No meio da espiritualidade e do Yoga o mesmo acontece. A inexistência de um padrão ou de um organismo regulador faz com que elementos mal-intencionados possam circular livremente com a certeza do anonimato e impunidade.

 

Que dicas poderíamos partilhar para identificar estes elementos e evitar dissabores em nossos estudos, treinos ou formação ?

 

O farsante não surge do “nada”, ele deliberadamente tenta construir uma imagem de autoridade e confiabilidade. Em geral participa de Fóruns da área ou redes sociais e expõe sua opinião de forma chamativa.

 

Para criar sua imagem de autoridade o criminoso busca ser testemunhado junto à verdadeiras referencias da área. No Jiu Jitsu era comum que falsos faixas preta tirassem fotos junto à membros da família Gracie como o Rickson Gracie e outros para, então, postar estas fotos em redes sociais alegando uma proximidade, treinamento ou qualificação que nunca tiveram.

 

A estratégia no meio espiritual é semelhante. O farsante divulga imagens de viagens à Índia sempre junto à verdadeiros Sadhakas e Sadhus que, provavelmente estavam apenas sendo simpáticos, mas são apresentados como  “seguidores” ou “discípulos” do falso mestre.

 

Forjar autoridade dentro de uma linhagem (Sampradaya) inexistente ou pouco conhecida no Brasil é bastante comum. O falso mestre pode chegar ao ponto de criar falsos perfis de supostos discípulos nas redes sociais, isso é feito de forma à aparentar popularidade ou legitimidade.

 

Uma vez preparado com um acervo de fotos, apoio de “seguidores” virtuais e evidencias de sua legitimidade o elemento assimila o vocabulário de conhecedores da área. A tentativa é de apresentar-se de forma condizente apropriando-se do jargão usado.

 

A presença do farsante, em algumas situações, pode ser presumida pelo seu distanciamento de colegas de sua linhagem desportiva ou espiritual. O elemento teme ser exposto e evita aqueles que tem o conhecimento ou habilidade necessários para fazê-lo. Uma estratégia usada é acusar legítimos Sadhakas ou Gurus para colocar-se numa posição de igualdade à eles.

 

O que podemos fazer para evitar cair numa situação desta ?

 

Primeiro, alicerce a sua fé (Shraddha) com austeridades espirituais (Tapasya) antes de tomar abrigo junto à uma tradição. Podemos fazê-lo através:

a. da recitação do Mantra do Senhor Shiva que é o Guru Primordial. Peça por discernimento e proteção para que encontre a pessoa adequada para ser consagrada Guru em seu coração;

b. Faça um Sankalpa (determinação de objetivo) para que lhe seja revelado em sonhos o caráter auspicioso ou não desta associação. Tenha lápis e papel ao lado da cama para a eventualidade de acordar e voltar à dormir.

c. procure conhecer a história pregressa da pessoa em questão. “Sábios” que vieram de cidades distantes e não deixaram um legado por lá deveriam ser melhor conhecidos. Alguém que sai, por exemplo, de São Paulo e estabelece-se em Brasília para “recomeçar” certamente teria deixado testemunhos de sua boa reputação por lá.

d. Farsantes são muito cuidadosos para não deixar vestígios de seus ilícitos. Geralmente não informam seus nomes civis e escondem-se através de nomes espirituais transitórios, por exemplo, podem adotar o nome que remeta à um sábio como Shankara por um período e, depois, (re)surgir com outro nome. Ora, o nome espiritual é dado pelo Guru e não muda ..... esse é um sinal que o farsante nunca envolveu-se verdadeiramente com a linhagem que alega pertencer.

 

Que Mãe Kali nos abençoe à todos.