domingo, 1 de outubro de 2023

Tantra não se aprende em livros

 


Frequentemente mencionamos a importancia de flores, bom incenso, lamparinas etc no processo de Sadhana porém a mente rasa ou o pensamento superficial nem sempre sente-se capaz de compreender a relevancia destes itens no processo das disciplinas espirituais e posterior iluminação da alma (Moksha) conforme entendidas pelos Tantras.

Tentaremos introduzir brevemente essa perspectiva Tantrica com o apoio das suas escrituras e de seus grandes e reconhecidos sábios. UtPalaDeva o grande expositor da Doutrina do Reconhecimento (PratyAbhiJña) afirmava que o estado supremo da alma seria fruto fomentado por Samavesha - a absorção dos 10 sentidos (Karmendriyas e Jñanendriyas) e da mente em uma única idéia. Estes sentidos seriam previamente purificados pelo uso consciente de ofertas (Dravya: incenso, luzes, comida etc ...) no plano físico, ofertas essas que estimulariam estes sentidos, como o que é geralmente feito na realização de uma Puja.

"Rupam Dehi, Jayam Dehi, Yasho Dehi, Dvisho Jahi".
Refrão do Argala Stotram, hino auxiliar (Anga Stotra) do Chandi Patha.
" ..... Dai-nos o Esplendor (Yasha) .....".

Esse "algo esplendido", esse "Esplendor" que nos deslumbra e maravilha era chamado de "ChamatKara" por UtPalaDeva, ou seja, a expressão de jubilo e surpresa feita pela mente encantada e em extase.

É este impacto daquilo que é sensorial (ChamatKara) e foi previamente consagrado através dos ritos que manifesta o impacto de Força Espiritual (ShaktiPat) que é, então, reconhecido (pelo Sadhaka) como a Consciência Divina por trás de todos os fenomenos.

Para o sábio Tantrico AbhinavaGupta a interação destas poderosas Forças com a mente gerariam "Shanta Rasa", ou seja, a profunda sensação de base estética que leva a percepção de uma Paz Perpetua. Esse Shanta Rasa é descrito assim nas próprias palavras do grande mestre: "Aquilo que traz uma Suprema Paz e Bem-Estar à todos os seres e os torna Perfeitamente estabilizados (Samsthita) em Si- Mesmos."

"Ya Devi SarvaBhuteshu ShantiRupena Samthita, Namastasyai, Namastasyai, Namastasyai Namo NamaH".
Um dos refrões do Tantroktam Devi Suktam, parte do capitulo V da escritura Chandi Path.
" Aquela Deusa que existe em todos os seres perfeitamente estabelecida (Samsthita) sob a forma de Paz .....".

Ora, diante do exposto é natural perceber que não seria possivel entender a obra de AbhinavaGupta e de outros mestres Tantricos sem ter uma apreensão estética, bela, sensorial de seus trabalhos. Imaginar que esta perspectiva pudesse ser entendida no ambiente frio e asséptico de uma sala de aula ou através de uma video-aula na tela do computador ou celular é ter uma idéia por demais limitada do que é Tantra e do que praticam os seus adeptos.

quarta-feira, 17 de maio de 2023

Inicio da recitação do Chandi Path


 

As disciplinas espirituais do Chaṇḍī Pāṭha são consideradas um importante instrumento na transformação espiritual e progresso de todos os Sādhakas. A maneira mais simples de iniciar estas Sādhanas consiste em familiarizar-se com os três poderosos Añga Stotras (Hinos Auxiliares) que antecedem a escritura: o DevyāH Kavacham, o Ārgalā Stotram  e, então, o Kīlaka Stotram.

 

O primeiro é “a colocação da armadura da Deusa”, neste hino inúmeras Forças Espirituais (Shaktis) são evocadas para a proteção e progresso do Sādhaka. Ele é também usado para afastar influências espirituais negativas que possa intervir em pessoas, objetos ou lugares.

 

O segundo é o “levantamento das travas”, ou seja, a remoção de obstáculos à jornada espiritual e ao auto-conhecimento. Este hino clareia a mente e restabelece nosso ponto de equilíbrio. Seu uso é especialmente recomendado em fases criticas da vida.

 

O terceiro é o misterioso “hino que remove os ferrolhos”. Esse hino traz as chaves para que a recitação do Chaṇḍī Pāṭha  e todas as demais ações sejam bem sucedidas. Ele pode ser recitado sempre que desejamos mudanças em nossas mentes ou na realidade coletiva.

 

Inicie as disciplinas de recitação sentando-se em um Asana que lhe seja confortável e que você possa sustentar por um bom tempo. Uma das metas deste Sādhana é conquistar um Āsana estável.

 

Antes de usar as recitações dos Añga Stotras em Kāmya Pūjās, ou seja, Pūjās para obter graças especificas, recomenda-se que o Sādhaka faça um acumulo de méritos espirituais através de 108 recitações completas. Sugerimos que mantenha um caderninho ou bloco de notas no celular para anotar quantas recitações são feitas por semana até atingir a meta.

quarta-feira, 3 de maio de 2023

Nyasas nas Sadhanas

 


O que são os Nyāsas nas Sādhanas Tantricas ?

 

A palavra "Nyāsa" vem da língua Sânscrita e significa aquilo que é colocado num determinado ponto ou posição; "ni" - em direção; āsa - posição ou ponto.

 

Os pontos em questão são determinadas partes do corpo associadas à determinadas energias ou forças espirituais ou ainda pontos relevantes a saúde fisica e energética. O que é colocado ou instalado nestes pontos são Bijas Mantras ou Mantras completos.

 

A instalação de Mantras em determinados pontos tem como um de seus resultados o fortalecimento das energias e aspectos relacionados ao Mantra. O ponto usado é muito relevante pois ele atuará de maneira sinérgica com o Mantra intensificando o efeito esperado.

 

Há inumeros Nyāsas revelados nos Tantras: o ṛṣhi Nyāsa que nos coloca em sintonia com os ṛṣhis que revelaram um Mantra; o Kāra e Anga Nyāsas comuns à muitas Sādhanas de Mantras; O Matrkā Nyāsa que instala todos os Bijas do alfabeto nos pontos de articulação (Sandhi-s) do corpo  etc ....

 

Para entender a relevância de vários pontos localizados no corpo devemos ter uma perspectiva dos conceitos do Samkhya Darshana (Filosofia Samkhya) que deram origem à esta disciplina Tantrica. Ali cada elemento constituinte do Universo (ākāsha, Ar, Fogo, Água e Terra) é associado à um orgão de ação (Karmendriya) ou orgão de percepção (Jñānendriya). Alguns outros pontos usados em Nyāsas são revelados na fisiologia energética descrita nos Tantras.


quarta-feira, 12 de abril de 2023

Festivais Religiosos - Utsavas



A Sadhana diária que é o alicerce de nossas práticas espirituais em alguns momentos de nossas vidas pode parecer menos atrativa ou até tediosa. Ela é um Nitya Karma, ou seja, um ato permanente, cotidiano, eterno e, portanto, pode causar eventual estranheza à nossa natureza humana que busca sempre novidades.

 

Lembremos que o Dharma não é feito apenas de Nitya Karmas mas também de Naimittika Karmas, ou seja, de atos que escapam da rotina ou do cotidiano. Entre estes atos estão os festivais cuja palavra Sânscrita “Utsava” (Ud + Sava) significa aquilo que impulsiona ao crescimento ou à ascensão.

 

Estes festivais não são meros momentos marcados no calendário. Eles acontecem em momentos astronômicos ou sazonais muito especiais e ações especificas nestes momentos nos acrescentam de energia e méritos espirituais. O que torna os festivais momentos especiais não é apenas a sua data mas também a mudança de atitude e rotina que implementamos naqueles períodos.

 

Essas mudanças, em geral, implicam numa intensificação de nossas Sadhanas ou a aderência à variações que trarão mais alegria e motivação ao cumprimento de nossos deveres espirituais. Aproveitemos cada festival para o desenvolvimento de nossa aptidão de transformar o momento comum num momento especial. Isso é cultivar Shakti, cultivar Força Espiritual.

 

Jaya Ma !

quarta-feira, 1 de março de 2023

Introdução às Dasha MahaVidyas


 

A Divindade assume inúmeras formas e todas elas garantem bençãos (Dharma, Artha, Kama) outras vão além e trazem também a libertação final (Moksha). Numa compreensão ideal, suprema, além dos três Gunas que mantém todo o Universo, estas formas são entendidas como manifestações de uma única Força. Entretanto todas as almas encarnadas, todos os seres, e toda a Criação estão sujeitos aos três Gunas portanto as diferenciações identificadas são efetivas e devem ser levadas em consideração.

 

No âmbito dos Tantras várias formas da Divindade são reconhecidas e propiciadas através de suas disciplinas espirituais especificas. Numa perspectiva mais externa, geográfica, há os dez DikPalas – os dez protetores das direções. Num âmbito mais sutil e profundo há as oito Matrkas, as oito formas da Mãe Divina que também cuidam da função de proteger o Dharma e seus praticantes porém atuam também na correção de eventuais desvios internos (subjetivos) e externos (na natureza). Estas Matrkas podem estar acompanhadas de oito formas de Shiva Bhairava associadas as oito direções.

 

Num circulo ainda mais interno temos os Cinco Grandes Devas (Pañchayatana) cujas práticas espirituais são muito relevantes à todas as pessoas espiritualizadas sejam elas iniciadas em Mantras ou não. A propiciação diária de Shakti, Ganesha, Surya Deva, Senhor Vishnu e Senhor Shiva geram resultados muito harmonizadores. Isso pode ser feito de maneiras muito simples seja através de uma breve recitação de seus Mantras, da oferta de flores ou grãos de arroz diante de suas representações (quadros ou estátuas) ou de um pequeno “Arati” (Aratrikam).

 

Para o iniciado Tântrico um grupo de Mães Divinas é muito relevante – as Dez Grandes Sabedorias ou Técnicas (Dasha MahaVidyas). Na escritura sagrada MahaNirvana Tantra o Senhor Deus Shiva inicialmente se dirige à Senhora Kali e diz: “Tu és a Primordial, Tu és a origem de todas as Vidyas.” Por isso o primeiro Mantra à ser transmitido é o desta forma primordial – Adya Kali. Nos versos seguintes o Senhor continua esta revelação: “Tu és Kali, Tarini, Durga, Shodashi, Bhuvaneshvari, Dhumavati, Bagala, Bhairavi e Chinnamasta. Tu és AnnaPurna, VagDevi e a Deusa Kamalalaya.” Estas doze formas reveladas correspondem às Dasha MahaVidyas e mais duas outras formas muito relevantes nas tradições Tântricas – Durga e AnnaPurna.

 

Vejamos em breve detalhe as Deusas que o Senhor menciona. Primeiro as Dasha MahaVidyas e depois Durga e AnnaPurna: 1. Kali – que pode apresentar-se sob várias formas individuais conforme sua função litúrgica. 2. Tarini – uma forma terrível também conhecida como Tara, UgraTara ou NilaSarasvati (a “Sarasvati azul marinho”). 3. Shodashi – a linda forma da Deusa representada como uma eterna jovem de 16 anos. É considerada Suprema em algumas outras tradições onde é chamada como Lalita ou Tripura Sundari. 4. Bhuvaneshvari – a Suprema Senhora do Universo. Adi ParaShakti no Devi Bhagavatham. Bhuvaneshi ou Bhagavati. 5. Dhumavati – uma forma assustadora porém a Grande Purificadora. Mencionada como Jyeshtha e ALakshmi. 6. Bagala – conhecida também como Pitambari, Brahmastra Rupini e BagalaMukhi. Seus nomes indicam a importância de suas funções. 7. Bhairavi – forma bastante irada que rege, entre outros aspectos, a energia vital. Também chamada de Tripura Bhairavi pois seus “movimentos” interferem em três aspectos do Universo. 8 Chinnamasta – extremamente dinâmica. Relevante em várias disciplinas espirituais. Chamada de VajraVairochani ou PraChanda Chandika. Estas são as formas mencionadas no verso 13.

 

Já no verso quatorze a nona MahaVidya é mencionada: 9. VagDevi – Também conhecida como Matangi, Chandalini ou Ucchishtha Devi. Ela é aspecto supremo de uma categoria de Devas mencionados e propiciados apenas nos Tantras. 10. KamalaLaya – Aquela que está estabelecida numa flor de Lótus. Seus outros nomes incluem: Kamala, SiddhiLakshmi e Siddheshvari.

 

Duas formas de Devi foram mencionadas pelo Senhor junto às Dasha MahaVidyas: Durga no verso 13 e AnnaPurna no verso 14. O nome Durga, Aquela difícil de ser alcançada, é mencionado com bastante freqüência e se tornou o termo mais popular quando nos referimos à Deusa. Porém dentro de um contexto escritural onde ele é mencionado junto às dez formas esotéricas que exigem iniciação prévia para sua propiciação uma atenção especial é necessária. Quem é esta Durga mencionada pelo Senhor Shiva ?  A resposta está numa visualização (Dhyanam) prescrita na escritura sagrada Chandi Patha: “Saudamos esta Durga possuidora de três olhos”. Três Dhyanam-s são prescritos antes da recitação do Navarna Mantra e um quarto Dhyanam é feito após o Mantra. É neste Dhyanam que Chandi se revela ao povo como Durga. O iniciado, o sacerdote do santuário doméstico, sabe que o que o povo conhece como Durga é verdadeiramente Chandi. Já AnnaPurna é a própria representação da misericórdia da Grande Deusa. Ela é Aquela que restabele os plenos poderes do Senhor Bhairava após ele ter sido banido e renegado à uma posição meramente humana (vide MahaVrata Kapalika). Ao exercer esta função AnnaPurna se torna Aquela que abre as portas das iniciações Tântricas e restabece no homem comum o seu contato direto com a Divindade.

sábado, 18 de fevereiro de 2023

Abhishekas ao ShivaLinga

 


Desde o periodo dos Vedas o Senhor Shiva sempre foi apresentado como "Abhisheka Priya", ou seja, Aquele que aprecia ofertas de Abhisheka, de "banhos rituais". Por isso na vigília que será realizada nesta noite de Maha Shiva Ratri o Senhor receberá quatro Abhishekas em horários específicos.

 

Essa relação especial do Senhor Shiva com o elemento água merece uma apreciação atenta por parte dos Tântricos. O Shiva Linga, o ícone sagrado do Senhor, é instalado com a Yoni, a parte que canaliza o fluxo de líquido, sempre voltada para a direção Norte.

 

Essa é uma injunção importantíssima pois a direção Norte em quaisquer dos hemisférios é aquela onde localiza-se a estrela “Dhruva” (“ponto de estabilidade”), o único ponto do universo que aparenta imobilidade à partir da perspectiva do planeta Terra. Ao banhar o Linga as águas (e suas energias) sempre escorrem na mesma direção e um padrão (um Ishti) é criado.

 

Com naturalidade e sem demasiado esforço o ambiente, as pessoas e as circunstâncias próximas ao Linga instalado e diariamente propiciado tornam-se “retilíneas” e harmonizadas. A ação atenta e contínua, o fluxo contínuo, molda o ambiente à sua volta e as bênçãos fluem de forma espontânea.  

 

Na noite de hoje essa ação concentrada é intensificada de maneira sinérgica ao ser realizada nos quatro períodos da noite. Segundo os estudos do Samkhya Darshana, a ciência que analisa os fenomenos da natureza, os dias são divididos em oito partes chamadas de Yamas. Há quatro Yamas durante o dia e mais quatro durante a noite. É exatamente no inicio de cada Yama da noite que o Senhor será banhado.

domingo, 8 de janeiro de 2023

Religiosidade é fruto de reflexão



 Todos os seres tem fome e, portanto, buscam alimento porém apenas o homem sofisticou seu paladar e desenvolveu a culinária.

Todos os seres buscam "espiritualidade" porém apenas o homem sofisticou suas reflexões e desenvolveu a religiosidade.

Nenhuma forma de conhecimento ou conclusão baseada em reflexões é baseada no medo disto ou daquilo. O conhecimento nasce do aprofundamento do pensamento.

O fruto do conhecimento, em geral, se manifesta como um método. A certeza, baseada na expêriencia consciente, de que as coisas feitas de um modo correto geram os resultados esperados.

Aqueles que seguem uma metodologia testada e aprovada alcançam resultados e obtém generosos frutos. Os aventureiros colhem os frutos de seus esforços improvisados.