sábado, 22 de outubro de 2016

Sintonia com o Guru








“O Guru é Brahma, o Guru é Vishnu, O Guru é Maheshvara”

Todas as escrituras: os Vedas, os Puranas, os Tantras e Agamas são unanimes na injunção, na orientação espiritual do Senhor Shiva, que todos aqueles que desejam ter uma espiritualidade sadia e obter os frutos da mesma tomem  abrigo junto à um instrutor espiritual, junto à alguém que transmita a força da tradição, ou seja, junto à um(a) Guru. Muito já foi comentado sobre a divina natureza do(a) Guru mas mesmo assim muitos corações ainda possuem duvidas sobre a melhor maneira de orientar a sua espiritualidade e acabam por negligenciar este aspecto primordial da vida espiritual – a iniciação (Diksha) que deve ser recebida de um(a) Guru vivo(a).

Muitas duvidas na decisão de escolher um Guru advém da natureza paradoxal deste. Ao mesmo tempo em que o "cargo que ocupa", ou seja, a função que exerce, é de natureza divina, ele também é um homem (ou uma mulher) encarnado e, portanto, sujeito à todos os compromissos e necessidades relacionados à manutenção de um corpo físico e à interação com os demais cidadãos e membros da sociedade. Para o devoto, às vezes, pode parecer complicado relacionar-se com estes dois aspectos e a escolha do Guru acaba prejudicada pela prioridade dada ao julgamento da vida pessoal em detrimento da apreciação do papel que ele representa na ordem cósmica, ou seja, no Dharma.

Uma palavra nos ajuda à lidar com esta duvida e superar a indecisão: “sintonia”. Tudo aquilo que conhecemos (pessoas, os objetos, os lugares etc) está sujeito à interpretações “objetivas” e “subjetivas”. Podemos compreender o “objeto em si” ou o objeto através de nossa relação com o mesmo. Por exemplo, uma rosa pode ser entendida como “apenas” uma flor ..... ou como o símbolo de um amor profundo e carinhoso. No segundo caso ela é guardada com cuidado e, mesmo depois de seca, nos lembrará do momento precioso no qual a recebemos. A atenção especial dada àquela rosa que foi recebida da pessoa amada, a consagra e lhe garante uma força especial, um poder de evocar lembranças felizes sempre que manuseada. O mesmo acontece com o Guru. É a consagração dada pelo estudante que se aproxima dele e diz: “ Tenho algo a aprender com você” que torna o (antes) homem comum num veiculo para derramar as bençãos de Shiva e preservar o Dharma. É a sintonia que faz com que aquela relação seja algo especial da mesma forma que um aparelho de TV só pode transmitir o noticiário se for sintonizado no canal e no momento correto.

Há uma narrativa ocidental que convida à reflexão sobre este tema de sintonizar-se com o aspecto e função divinas que podem manifestar-se através do homem. Talvez possamos esclarecer melhor este ponto usando como referencia – a relação entre Jesus e seu Guru apresentado nos Evangelhos: São João Batista. A “iniciação nas aguas” (Abhisheka Diksha) dada por São João Batista permitiu que Jesus pudesse seguir em sua missão como um grande "Chrestos", palavra Grega que significa um "ungido", ou seja, um iniciado. Esta narrativa está presente no novo testamento e apresenta detalhes muito interessantes ao ser interpretada sob a perspectiva de um acharya Tantrico. Tanto a palavra “batismo” que vêm do Grego como a palavra “Abhisheka” que vem do Sânscrito, ambas línguas da família Indo-Ariana, remetem à aspersão de aguas num sentido de sacralização. São João Batista batizou Jesus, ou seja, lhe ofereceu Abhisheka Diksha, a iniciação por aspersão de aguas sagradas como aquelas encontradas à beira de todo grande rio, como o rio Jordão que banha aquela região.

Observemos que, ao encontrar Jesus, São João Batista receou por um momento em dar-lhe Diksha pois ele intuitivamente sabia que aquele homem estava destinado a ser um Avatar, uma encarnação, do Preservador do Universo. Segundo os Evangelhos o próprio Jesus lhe cobrou a iniciação pois ele sabia que sem ela nenhuma missão divina pode ser cumprida e a ordem cósmica, o Dharma, não pode ser mantido. Nos Evangelhos também nos é revelado que São João Batista comentou que ele dava a iniciação pelas aguas (Abhisheka Diksha) e que Jesus trazia a iniciação pelo fogo (Yajña Diksha). No Dharma a diferença entre estas iniciações é que a primeira, pelas aguas, tem o caráter de uma expiação (Prayashchitta) que purifica de todo contato com itens e circunstancias ritualisticamente impuras enquanto a segunda, pelo fogo, tem o caráter de uma consagração e rito de passagem (Samskara) como aquela iniciação na qual o garoto recebe o cordão sagrado que o torna um Brahmane atuante na sociedade (YajñoPavita Samskara).

Jesus, o homem, se torna Jesus o Preservador do Dharma após a iniciação dada por seu Guru São João Batista. Jesus primeiro escolhe João Batista como aquele que lhe daria Diksha, então se aproxima dele e o aceita como Guru, consagrando-o através de sua aceitação. Esta é a sintonia da qual falamos, é desta forma que o Dharma se preserva.

Que Mãe Kali nos abençoe.