domingo, 17 de novembro de 2019

As Formas da Divindade





               As formas da Divindade (Rupa) descritas pelo Sanatana Dharma nos cativam por sua beleza e pela riqueza de detalhes de sua simbologia. Elas nos servem de inspiração para (re)aproximar-mo-nos de um plano divino e de plena harmonia. Quem não se sente cativado pela aparência do Senhor Krishna ? ou contemplativo diante da representação do Senhor Shiva em meditação ? ou encantado pelo aspecto doce e brincalhão do Senhor Ganesha ?

               A representação destas formas que são usadas como referencia em práticas de meditação e outras disciplinas espirituais (Sadhanas) foram reveladas por profetas (Rshis) quando estavam em estado de comunhão com a Divindade, em profundo êxtase místico. Estes profetas tiveram a visão direta (Darshana) da beleza do Universo e então ...... cantaram ! Estes cânticos sagrados estão preservados nas escrituras (Shastras) e detalham a forma que foi visualizada pelo profeta (o Dhyanam da Divindade), os atributos que foram contemplados (descritos nos Stotras) e a freqüência vibratória associada à esta revelação (que, quando audíveis, são chamadas de Mantras).

               Entretanto, nesta Era de escuridão (Kali Yuga) muitos não compreendem o que seria a visão de uma realidade divina e insistem na perspectiva materialista de que tudo o que seria espiritualmente válido deveria estar manifesto no plano físico. Nesse obscurantismo teológico apela-se para a busca de evidencias materiais da manifestação e existência física das formas da divindade. Este obscurantismo tornou-se ainda mais intenso à partir do momento em que pode ser abertamente pregado à partir de 31 de Outubro de 1517.

               Temos um exemplo no Cristianismo que nas suas origens era bem diferente do que muitos o concebem hoje. No século XX com o forte proselitismo e influência cultural de outras religiões como o Protestantismo (espécie de Judaísmo Messiânico baseado na Torah/Antigo Testamento) e o Satanismo (Inversão moderna das polaridades do Maniqueísmo) houve praticamente um esquecimento total das crenças da antiguidade Cristã. Dentre estas crenças podemos citar três exemplos marcantes: 1. a proibição dos ensinamentos referentes a reencarnação; 2. a perseguição e extermínio dos antigos Gnósticos e 3. o total esquecimento do conceito de Docetismo.

               Os ensinamentos sobre a reencarnação se apresentam como uma resposta ao dilema de uma alma imortal encarnada num corpo mortal e, portanto, transitório. Há muitas diferenças sutis nas perspectivas de diferentes escolas e um estudioso prudente jamais trataria a crença na reencarnação como um fenômeno ou idéia única e indiferenciada. Há descrições como a do Samkhya Karika que nos remetem ao conceito moderno do código de DNA até pontos de vista mais místicos. Grandes filósofos da antiguidade como Pitágoras – o Pai da Matemática afirmam a realidade da reencarnação e descrevem com clareza e acuidade histórica suas encarnações anteriores. O ensinamentos sobre reencarnação foram proibidos à partir do Concilio de Constantinopla no ano de 553 por decisão do Imperador Justiniano que casou como uma ex-prostituta chamada Theodora que temia reencarnar-se como escrava ..... Esta proibição foi efetivada apesar da reencarnação ter sido declarada como dogma fundamental do Cristianismo no concilio da Calcedônia em 451.

               Já o movimento Gnóstico era composto por várias escolas e bastante popular nos primeiros anos do Cristianismo, ele competia diretamente com outras seitas Cristãs como os Romano-Alexandrinos, os Coptas e outros. Os Gnósticos acreditavam que jesus era uma encarnação (Avatar) do Verbo Divino (Vak/Savitri) adequada para aquela época ou Eon (Yuga). A influência espiritual do Grande Iniciado, do “Ungido” (“Chrestus” em Grego) era aceita e cultivada através de ritos, entretanto eles não concebiam o Chrestus como uma pessoa física mas sim como um arquétipo de luz. Estes ritos, posteriormente, influenciaram a Theugia neo-Platonica que era praticada tanto por Cristãos como por Pagãos na adoração de suas Divindades. O Gnosticismo foi combatido por Irineu de Lyon (que viveu entre os anos 130 e 202) e proscrito nos primeiros dois séculos do Cristianismo.

               Logo no inicio do Cristianismo muitos de seus adeptos buscaram as evidencias de uma suposta existência física do jesus. A ausência de evidencias em fontes diretas como os registros documentais de Poncio Pilatos ou indiretas como a pesquisa do historiador Flávio Josefo fortaleceram a percepção de que o Chrestus é uma realidade espiritual que independe de uma encarnação física num corpo humano para exercer a sua influência benéfica. Esta percepção partilhada por muitos Cristãos cultos e viajados do mundo antigo foi chamada de Docetismo que vem do Grego “Dokesis” que significa “aparência, aparição”. Esse conceito muito difundido na antiguidade foi considerado perigoso para a expansão da nova religião e, portanto, foi rejeitado e proibido à partir do concilio de Nicéia em 325.

               A apreciação dos fatos históricos citados visa fomentar uma nova percepção sobre o Dharma, não como algo exótico e alheio à tradição espiritual do Ocidente mas sim como algo que foi preservado em outras terras e resgatado nos tempos modernos. Algo que pode trazer vida renovada à um Ocidente que sofre as mazelas de um materialismo embrutecedor e fatal.

               Que Mãe Kali no abençoe à todos.


quinta-feira, 14 de novembro de 2019

Ascensão ao trono e a Deusa Sol




Nesta quinta feira, dia 14 de Novembro de 2019, foi realizado o ritual de Daijo-Sai (ascensão ao trono) de Sua Majestade o Imperador do Japão. Neste rito, em parte publico e em parte secreto, o Imperador presta reverencias aos Deuses de seu povo e de seus ancestrais (Deuses do Shintoismo) e apresenta-se como um protetor da nação e de seu Dharma (seus valores e costumes).

A posse oficial do Imperador foi em 01 de Maio de 2019, entretanto o ritual deve seguir certas configurações astrológicas e foi realizado numa quinta feira, dia dedicado à Guru Deva (Júpiter) sob o Nakshatra (“estrela”) Rohini (Aldebaran), ambos aspectos muitíssimo auspiciosos. Os sacerdotes iniciados devem estar sempre atentos à estas configurações em seus ritos.

Uma das primeiras etapas dos ritos de ascensão ao trono é a reverencia aos quatro Imperadores que lhe antecederam no trono, da mesma forma que no nosso Dharma Tantrico o Sadhaka saúda os quatro Gurus que lhe antecederam (Guru, Param Guru, Paratpara Guru e Parameshthi Guru) e se compromete a manter seus valores e dignidade.

O ponto alto do rito principal acontece à noite quando o Imperador recebe o Darshana, ou seja, tem o privilégio de ver, a Murti (Go-Shintai) – a representação da Deusa Sol (Amaterasu). Nesta ocasião o Imperador junto aos sacerdotes faz várias oferendas à Deusa e, então, desfruta da Sua Prasada – faz uma refeição com os alimentos que foram oferecidos. Após esta comunhão o Imperador entra em estado de união com Amaterasu OmiKami e torna-se o intercessor legitimo do povo junto à Divindade.

Num mundo de respeito e aceitação da espiritualidade de todos cada povo, cada família e cada devoto adora a os Deuses ou Deusas que tocam o seu coração. O Dharma é universal e eterno (Sanatana Dharma) entretanto manifesta-se de forma diferente de acordo com o solo (Vastu Purusha), temperamento dos devotos (Guna) e outros fatores. A beleza e riqueza cultural dos povos se baseia neste caráter único de cada expressão espiritual.

Os inúmeros pontos de interseção entre as várias religiões do mundo antigo já foram observados por vários acadêmicos e podemos afirmar que na antiguidade praticava-se um Dharma comum que se entendia da península Ibérica ao extremo oriente. Autores como Alain Daniélou e outros desenvolvem esta reflexão em seus livros.

Segue vídeo com pequenos trechos da cerimônia aberta ao publico.