Os Tantrikos vêm na figura feminina a própria representação
da Divindade. Isto é conhecido por todos. Mas oque exatamente isto significa ?
Um Sadhaka Tantriko seria obrigado à se sujeitar à uma mulher perdida, que não
respeita nem à si mesma ? Deveria chegar ao ponto de adorá-la ? Isto não tem
respaldo em nenhuma escritura ou entre Gurus responsáveis. Esta caricatura abominável
das disciplinas espirituais do Tantra não poderia estar mais longe da verdade.
Como poderíamos então entender este conceito ?
Mais uma vez é na prática que encontraremos os alicerces
adequados para a compreensão dos símbolos. Isto reafirma o caráter esotérico
dos Tantras conhecidos por seus iniciados. Observemos o Kumari Puja, a prática
da adoração de pequenas meninas como representantes vivas da Deusa. Esta
cerimonia é descrita em vários Tantras e sugere-se que a criança, acompanhada
de sua mãe, seja vestida com ricos trajes, receba jóias e tenha preciosos
perfumes aplicados à sua pele. Uma bela maquiagem é feita e uma linda coroa é
colocada sobre sua cabeça. Pronto ! Agora o verdadeiro ritual pode começar ...
todo o anterior era apenas a preparação para tamanha honra.
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Carregada em desfile pelas imediações. |
A Puja começa com o estabelecimento de várias formas da Mãe
Divina no corpo da menina, que é uma pequena semente da Deusa que florescerá
nela no futuro. Hinos em Sânscrito são recitados (Stotras) e a oferenda dos 16
itens rituais é então feita. Toda a assembleia recita então os Mantras da Deusa,
Mãe do Universo e muitos gritam louvores em Seu nome. Ao final os devotos formam
uma fila para prestar reverências pessoais à pequena Deusa encarnada e muitos
outros presentes são apresentados. A despedida (Visarjana) é feita e todos
estão felizes. Na consciência de cada participante há a certeza de que a
Divindade pode se manifestar sob várias formas, até a de uma pequena menina. A
criança teve uma das experiências mais incríveis de sua vida e certamente trará
suas próprias filhas para a cerimonia quando for adulta. Nas comunidades onde o
rito é realizado anualmente a ocasião é esperada ansiosamente.
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Abençoando as familias em cada residencia onde a Puja é realizada. |
Bem, como vimos a representação da Deusa foi escolhida e PREPARADA para se tornar um veiculo da Divindade. Ela foi erguida e honrada com presentes e palavras de superação, disciplina, modéstia e muitas outras virtudes nobres. Só então foi adorada... Oque dizer de uma mulher sem respeito próprio, escrava de seus vícios, humilhada por sua própria querelancia na busca de se auto-engrandecer ? È este o papel que os Tantras esperam de uma mulher – caída e desesperada ? Não, nunca, jamais ! Ela é o veiculo de algo que transcende à si-mesma e que só pode ser alcançado quando se abre mão das fraquezas e vícios. Uma mulher que insistisse em rastejar, em negar seus valores mais nobres e elevados, em se esconder num anonimato vilipendioso não poderia ser adorada. Pelo contrário, ela tem que ter algo de sincera admiração pelo Divino, uma mente que antes se preocupa em se aprimorar ao invés de saciar pequenos caprichos, um coração mais afeito em trazer mensagens de paz do que buscar disputas judiciais por supostas injustiças. A mulher que chega à negar à si-mesma para alcançar e realizar algo que lhe transcende, esta é a mulher adorada nos Tantras.
Repreender o mal, aquilo que é contra o Dharma, é dever do Tantriko
e ele pode fazê-lo até mesmo silenciosamente. O iniciado é aquele que está
preparado para fazê-lo pois sacrificou o animal do mérito (Punya) e do demérito
(Papa) em sua Sadhana cotidiana e vive em constante expiação (Prayashchitta) e,
portanto, paga diariamente por realizar os atos que a natureza clama. Jaya
Bhairava, Jaya Papantaka.
Louvada seja a Mãe do Universo. Aos pés de Kali, Rudrananda
Saraswati.