segunda-feira, 22 de outubro de 2018

Diferentes Tradições Tantricas




Diferentes tradições Tântricas contemporâneas

O Tantra apresenta clara influência principalmente em três grandes tradições religiosas: a Hindu, a Budista e a Jainista. Portanto há Tantras Hindus, Budistas e Jainistas que compartilham certos conceitos que são básicos e formam o alicerce da tradição. Quais seriam estes conceitos ? Se tivéssemos que definir de forma mínima a tradição Tântrica nos arriscaríamos à dizer que a identificação do adorador com a Divindade adorada seria o ponto essencial. Esta identificação é comum à todas as tradições que originam-se do Tantra. Há um ditado comum que afirma que: “O “não-Deva” não pode adorar um Deva, ou seja, aquele que não é Shiva não poderia adorar à Shiva da mesma forma que o “não-Ganesha” não poderia adorar Ganesha”.

Além desta identificação do adorador com a Divindade há inúmeros detalhes no Modus Operandi, ou seja, na prática litúrgica que são comuns às tradições Tântricas. A liturgia inicial dedicada aos “guardiões da tradição” (1), o caráter esotérico/iniciático dos ensinamentos (2), o uso constante de técnicas de meditação/visualização durante os rituais (3) e a realização periódica de “cerimônias de fogo” (4) são alguns dos elementos facilmente observáveis.

As tradições Tântricas mais conhecidas são:
a. O Shri Vidya, o PañchaRatra, o Vaikhanasa e o Kaula entre os Hindus.
b. O Vajrayana com suas escolas Sakya, Nyingma, Kagyu e Gelugpa entre os Budistas Tibetanos.
c. O Mikkyo presente no Budismo Tendai e Shingon do Japão, que muito influenciaram o Shugendo.
d. O Jaina Tantra centrado no culto à Shakti Padmavati.

O Shri Vidya é a tradição Tântrica mais divulgada entre os Hindus. Esta tradição costuma dividir-se em “Kali Kula” e “Shri Kula” que indicam uma predileção por formas mais iradas ou mais pacificas da Divindade respectivamente. No Shri Vidya os ritos Kaulikas, ou seja, revelados nos Kaula Tantras foram adotados somente nos graus mais elevados de iniciação.

O PañchaRatra e o Vaikhanasa são tradições Tântricas Vaishnavas. Eles possuem muitos pontos em comum com outras tradições Tântricas Hindus como a prática de Nyasas,  meditações/visualizações durante os ritos e cerimônias de fogo. Porém seu foco está na adoração Tântrica às Deidades nos Templos.

Muitos textos Tantricos se apresentam como “Kaula Tantras” e esta tradição se tornou a mais comentada devido a oferenda de carne, vinho e outros itens que é feita às Deidades por seus iniciados mais elevados. Suas escrituras e iconografia religiosa influenciaram fortemente o Vajrayana e o Shri Vidya.

O Vajrayana possui uma perspectiva Budista e afirma-se Tântrico. Muitas de suas disciplinas espirituais (Sadhanas) são transmitidas mediante iniciação e há um uso frequente de visualizações e gestos rituais (Mudras). Sua iconografia religiosa menciona o uso de taças de crânio, Divindades iradas e muitos outros elementos do antigo Shivaismo (KalaMukha, Kapalika etc..) praticado nos campos crematórios.

O Shingon e Tendai preservaram no Japão muitos elementos Tântricos como a adoração as Cinco Grandes Deidades (Pañchayatana) que, entre eles, são os Cinco Grandes Reis (Go Dai Myoo) e a prática de cerimônias de fogo (Homa em Sânscrito, Goma no Japão). Muitos Mudras também são usados aqui e há uma atenção especial as purificações do corpo, do local dos ritos e das oferendas assim como nas outras tradições Tântricas. 

O Jaina Tantra praticado principalmente na Índia tem um foco em Shakti, a Mãe Divina, e executa muitas disciplinas espirituais ligadas as Matrkas que simbolizam as freqüências e pontos de articulação relacionadas ao alfabeto Sânscrito. Possue muitas semelhanças com o estágio de Dakshinachara que é mencionado nos Kaula Tantras.

Há tradições antigas que muito influenciaram o desenvolvimento e a divulgação de conceitos Tântricos. Algumas delas são mencionadas em fontes não-tantricas e possuem textos preservados porém “sem Guru não há Tantra”. É possível apreciar o Tantra à distancia ou até mesmo “estudá-lo” entretanto seus frutos só são alcançados através da transmissão direta da energia cultivada na tradição – ShaktiPat. O sábio e erudito AbhinavaGupta menciona a escola Trika que está extinta pois não há Gurus vindos através de uma sucessão discipular legitima (Parampara) embora seus ensinamentos e textos tenham atraído considerável interesse acadêmico. Conceitos desta escola como o da Deusa Tríplice – “Para, Apara e Parapara” foram assimilados por escolas contemporâneas e uma clara semelhança entre este e as três Deusas mencionadas no Chandi Path e seus “segredos” (textos Rahasyams) são evidentes.

Na gravura: Mandala para Sadhana do Mantra Bija “Hrim” usada no Jaina Tantra.

Senhor Ayyappa





Senhor Ayyappa


           O Senhor Ayyappa possui milhões de devotos em todo o mundo e seus Templos atraem multidões em peregrinação anualmente. Somente o Templo de Sabarimala no estado de Kerala - India atrai mais de 17 milhões de peregrinos por ano e, em alguns anos, esse numero se aproxima dos 30 milhões de visitantes.

           O Senhor Ayyappa é uma encarnação muito misericordiosa da Divindade e se manifestou através de diferentes formas para o beneficio da humanidade. Cada uma destas formas possui atributos diferentes para materializar especificamente o que é necessário para a diversidade de devotos. Ele se manifestou como menino (Shishu), como estudante celibatário (Brahmachari), como pai de família (Grhasta), como renunciante maduro (VanaPrastha), como Yogi etc ......

           Cada uma dessas formas possui injunções especificas (Vidhis) para a sua adoração e a obtenção de sucesso (Siddhi) em suas discipinas espirituais (Sadhanas). Isso é comum na adoração de outras formas da Divindade também como, por exemplo, o vegetarianismo para a adoração do Senhor Vishnu ou ausência de Tulasi na Puja para o Senhor Ganesha. Outras religiões do mundo possuem regras especificas para determinados praticas. No Shintoismo do Japão o santuário da ilha de Okinoshima (patrimônio mundial, segundo a UNESCO) é reservado apenas aos homens que ali realizavam ritos e oferendas aos Deuses do mares. No Candomblé do Brasil os devotos em adoração à Oxalá evitam o uso de roupas de cor, especialmente as vermelhas ou negras, pois somente a cor branca agrada à esta forma da Divindade. Entre os muçulmanos as mulheres são proibidas de rezar entre os homens em várias mesquitas. Inúmeros outros exemplos podem ser encontrados em outras tradições.

           O maior Templo do Senhor Ayyappa no mundo fica no complexo de Templos de Sabarimala. Lá o Senhor se manifestou como um eterno estudante celibatário (Naishtika Brahmachari). Por esse motivo o Templo não permite a entrada de mulheres em idade fértil, ou seja, dos 10 aos 50 anos. Mulheres abaixo ou acima destas idades tem acesso irrestrito. Outros Templos de Ayyappa onde outras de suas manifestações estão presentes permitem a entrada à todos pois as injunções sob as quais foram construídos não mencionam restrições.

           O Templo de Sabarimala é particularmente interessante pois em seu complexo ele abriga mesquitas e igrejas cristãs. É muito comum que muçulmanos visitem o santuário Hindu após a ida à mesquita de Vavar e que cristãos o façam após a visita as igrejas de Santo André e São Sebastião. O complexo de Templos é um rico exemplo de harmonia inter-religiosa e tolerância mutua.

           A narrativa das origens do Templo de Sabarimala revela que um rei da dinastia dos Pantalam que governava a região não conseguia ter filhos para herdar o trono e que, numa de suas caçadas pela floresta, encontrou um bebe à beira do rio. O rei levou este bebe até a cabana de um homem santo (Sadhu) que vivia próximo e este revelou que o rei deveria criá-lo como se fosse seu próprio filho pois ele herdaria o trono. Conforme a profecia do sábio, assim foi feito, e o garoto recebeu o nome de ManiKantha. Entretanto após alguns anos a rainha engravidou e quis tirar ManiKantha do caminho da coroação de seu próprio filho. Ela fingiu adoecer e alegou que só seria curada se bebesse o leite de uma tigresa. Ninguém no reino se ofereceu para a perigosa missão e, compadecido da doença de sua mãe adotiva, ManiKantha se voluntariou. Ele não apenas trouxe o leite mas voltou da floresta montado sobre a tigresa !

           Durante a busca ele foi atacado por um ladrão chamado Vavar que era muçulmano e tentou matá-lo. Eles lutaram e durante a luta o Senhor revelou sua verdadeira forma divina. O ladrão, então, arrependeu-se de seu passado e passou a viver uma vida honesta tornando-se seu fiel protetor. Essa é a origem da mesquita na região que foi construída em homenagem ao retorno à retidão vivido por Vavar.