“O Guru é
Brahma, o Guru é Vishnu, O Guru é Maheshvara”
Todas as
escrituras: os Vedas, os Puranas, os Tantras e Agamas são unanimes na injunção,
na orientação espiritual do Senhor Shiva, que todos aqueles que desejam ter uma
espiritualidade sadia e obter os frutos da mesma tomem abrigo junto à um instrutor
espiritual, junto à alguém que transmita a força da tradição, ou seja, junto à um(a)
Guru. Muito já foi comentado sobre a divina natureza do(a) Guru mas mesmo assim
muitos corações ainda possuem duvidas sobre a melhor maneira de orientar a sua
espiritualidade e acabam por negligenciar este aspecto primordial da vida
espiritual – a iniciação (Diksha) que deve ser recebida de um(a) Guru vivo(a).
Muitas duvidas
na decisão de escolher um Guru advém da natureza paradoxal deste. Ao mesmo
tempo em que o "cargo que ocupa", ou seja, a função que exerce, é de natureza divina, ele também é um homem (ou
uma mulher) encarnado e, portanto, sujeito à todos os compromissos e
necessidades relacionados à manutenção de um corpo físico e à interação com os
demais cidadãos e membros da sociedade. Para o devoto, às vezes, pode parecer
complicado relacionar-se com estes dois aspectos e a escolha do Guru acaba
prejudicada pela prioridade dada ao julgamento da vida pessoal em detrimento da
apreciação do papel que ele representa na ordem cósmica, ou seja, no Dharma.
Uma palavra nos
ajuda à lidar com esta duvida e superar a indecisão: “sintonia”. Tudo aquilo
que conhecemos (pessoas, os objetos, os lugares etc) está sujeito à
interpretações “objetivas” e “subjetivas”. Podemos compreender o “objeto em si”
ou o objeto através de nossa relação com o mesmo. Por exemplo, uma rosa pode ser
entendida como “apenas” uma flor ..... ou como o símbolo de um amor profundo e
carinhoso. No segundo caso ela é guardada com cuidado e, mesmo depois de seca, nos
lembrará do momento precioso no qual a recebemos. A atenção especial dada àquela
rosa que foi recebida da pessoa amada, a consagra e lhe garante uma força
especial, um poder de evocar lembranças felizes sempre que manuseada. O mesmo
acontece com o Guru. É a consagração dada pelo estudante que se aproxima dele e
diz: “ Tenho algo a aprender com você” que torna o (antes) homem comum num
veiculo para derramar as bençãos de Shiva e preservar o Dharma. É a sintonia
que faz com que aquela relação seja algo especial da mesma forma que um
aparelho de TV só pode transmitir o noticiário se for sintonizado no canal e no
momento correto.
Há uma narrativa
ocidental que convida à reflexão sobre este tema de sintonizar-se com o aspecto
e função divinas que podem manifestar-se através do homem. Talvez possamos
esclarecer melhor este ponto usando como referencia – a relação entre Jesus e
seu Guru apresentado nos Evangelhos: São João Batista. A “iniciação nas aguas”
(Abhisheka Diksha) dada por São João Batista permitiu que Jesus pudesse seguir
em sua missão como um grande "Chrestos", palavra Grega que significa um "ungido", ou seja, um iniciado. Esta narrativa está
presente no novo testamento e apresenta detalhes muito interessantes ao ser
interpretada sob a perspectiva de um acharya Tantrico. Tanto a palavra “batismo”
que vêm do Grego como a palavra “Abhisheka” que vem do Sânscrito, ambas línguas
da família Indo-Ariana, remetem à aspersão de aguas num sentido de
sacralização. São João Batista batizou Jesus, ou seja, lhe ofereceu Abhisheka
Diksha, a iniciação por aspersão de aguas sagradas como aquelas encontradas à
beira de todo grande rio, como o rio Jordão que banha aquela região.
Observemos que,
ao encontrar Jesus, São João Batista receou por um momento em dar-lhe Diksha
pois ele intuitivamente sabia que aquele homem estava destinado a ser um
Avatar, uma encarnação, do Preservador do Universo. Segundo os Evangelhos o
próprio Jesus lhe cobrou a iniciação pois ele sabia que sem ela nenhuma missão
divina pode ser cumprida e a ordem cósmica, o Dharma, não pode ser mantido. Nos
Evangelhos também nos é revelado que São João Batista comentou que ele dava a
iniciação pelas aguas (Abhisheka Diksha) e que Jesus trazia a iniciação pelo
fogo (Yajña Diksha). No Dharma a diferença entre estas iniciações é que a
primeira, pelas aguas, tem o caráter de uma expiação (Prayashchitta) que
purifica de todo contato com itens e circunstancias ritualisticamente impuras
enquanto a segunda, pelo fogo, tem o caráter de uma consagração e rito de
passagem (Samskara) como aquela iniciação na qual o garoto recebe o cordão
sagrado que o torna um Brahmane atuante na sociedade (YajñoPavita Samskara).
Jesus, o homem,
se torna Jesus o Preservador do Dharma após a iniciação dada por seu Guru São
João Batista. Jesus primeiro escolhe João Batista como aquele que lhe daria
Diksha, então se aproxima dele e o aceita como Guru, consagrando-o através de
sua aceitação. Esta é a sintonia da qual falamos, é desta forma que o Dharma se
preserva.
Que Mãe Kali nos
abençoe.
Nenhum comentário:
Postar um comentário