Sātmya
Namaste,
Já temos tratado, à algum tempo, da questão do ritmo pessoal no progresso nas Sadhanas. Há Sadhakas que vão pouco à pouco se aventurando nesta jornada espiritual enquanto outros avançam rapidamente. Poderíamos afirmar com sobriedade que haveria uma atitude “melhor” do que a outra ? Certamente não ! Uma jornada espiritual não é um “curso” nem um “seminário”, ela não tem conteúdo programado nem tampouco provas de nivelamento para “atingir” uma turma mais adiantada. Tudo ali funciona de forma orgânica e natural tal qual a brincadeira de crianças num jardim.
Este ritmo natural, pessoal, saudável é chamado de Satmya – a linearidade que permite que nos reconheçamos numa linha de tempo. Tomemos um exemplo: embora hoje sejamos diferentes de quando éramos crianças há uma continuidade de experiências que vão se somando e que possibilitam nos identificar como um único individuo passando por sucessivas transformações ao invés de nos ver como distintos indivíduos não-conectados entre si. Esta consciência de continuidade é originada em Satmya.
O respeito à Satmya é essencial à continuidade harmônica de um individuo, de uma linhagem familiar ou de uma sociedade. No Ayurveda bem aplicado há este respeito para com a estrutura vigente do individuo e suas rotinas e cada nova mudança na dieta ou estilo de vida é apresentada de forma suave e equilibrada.
Nas disciplinas espirituais dos Tantras não poderia ser diferente. Cada um tem seu próprio tempo para que o Mantra amadureça em sua mente e as profundas transformações possam surgir de dentro para fora. A eventual tentativa de romper com esta naturalidade é chamada de Jñana Aparadha – Ofensa à Sabedoria, e alguns sintomas podem ser observados diante desta ocorrência.
Ao tentar romper com o anterior ritmo saudável a parte mais frágil da estrutura psíquica, ou seja, aquela que pode imaginar-se descontinuada – o Ahamkara ou “ego” – tentará certamente se proteger. Esta reação do ego se mobiliza através de várias estratégias que podem apresentar-se de forma simultânea ou sucessiva: a. negação das experiências vividas; b. fragmentação da tradição (Sampradaya) ou c. simples abandono da Sadhana. Vejamos cada uma em detalhes.
A possibilidade de uma intensa experiência pessoal na transmissão de um Mantra, mesmo que prazerosa, pode ser sentida como uma ameaça à rotina previamente bem estabelecida do Sadhaka. Isso pode levá-lo à negação e/ou “esquecimento” do que viveu de forma à retornar ao mesmo ponto anterior sem eventuais sentimentos de “culpa”.
A tentativa de fragmentação da tradição ocorre quando o Sadhaka ancora as experiências vividas porém recusa-se á um progresso continuado. O ego então passa à julgar e configurar a tradição de forma á satisfazer sua concepção de mundo. Surgem frases como “o Mantra eu faço mas isso ou aquilo eu não aceito ...”, “quero fazer tais práticas mas não vejo utilidade na preparação prescrita” etc.
Caso as estratégias anteriores não se mostrem viáveis resta ao ego temeroso da intensidade das experiências vindouras ou indisposto ao peso de novos compromissos a alternativa de simplesmente abandonar a jornada nesta vida.
Chega então o momento de refletir diante destas possibilidades e uma sólida base escritural pode nos ajudar nesta reflexão. Os Kaula Tantras afirmam que após sucessivas reencarnações a alma individual amadurece para as experiências deste Dharma. Essa é uma jornada de muitas vidas e certamente vários Sadhakas de hoje já trilharam este caminho anteriormente.
Diante disso podemos estabelecer uma linha de ação adequada:
a. Amar e acolher sempre. Respeitando as diferenças de estilo, “temperamento” e disponibilidade de cada um.
b. Ensinar sempre de acordo com aquilo que é perguntado, ou seja, sem pressupor “saber mais”. Num dialogo cada pergunta revela muito mais sobre o preparo do aluno do que sobre o conhecimento do professor.
c. Proteger sempre. Cada família espiritual é uma linhagem de conhecimento e de amor e, da mesma forma que nas famílias sanguíneas, cabe aos mais preparados tomar a frente e orar pelos irmãos mais jovens no caminho.
d. Partilhar sempre. Cada desfrute e até mesmo pequenas alegrias que temos em vida vem de nossos méritos espirituais adquiridos através da correta ação. Que possamos inspirar aqueles á nossa volta no caminho da retidão.
e. Servir sempre. É pelo serviço desinteressado oferecido através de nossas aptidões que acumulamos mais rapidamente méritos espirituais.
O Tântrico ensina para proteger, protege para partilhar, partilha para servir e serve através de seus ensinamentos.
Jaya Ma.
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