domingo, 12 de fevereiro de 2017

Pureza Ritual, Prayashchitta e Kshamapanam


Pureza Ritual, Prayashchitta e Kshamapana

               Quanto a sua regularidade os ritos podem ser classificados em três aspectos: Nitya – aqueles que são expressão de nossa devoção e que refletem nosso estilo de vida e, portanto, devem ser realizados diariamente, Naimittika – aqueles que são realizados em ocasiões especiais e formam um alicerce para a consecução das atividades em questão e Kamya – aqueles que são realizados apenas para conquistar um objetivo especifico. Em todos estes a pureza ritual é um fator importante pois ela interfere diretamente nos resultados que serão obtidos da mesma maneira, numa analogia, que os critérios de higiene adotados por um cirurgião influenciam diretamente o risco de infecções hospitalares e uma eventual falha no tratamento. 

               Os Tantras mencionam cinco aspectos (Pañcha Shodhana) onde a purificação ritual é essencial. São eles: 
1. Deha Shodhana, a purificação do corpo. Ela é feita através do asseio diário como banhos e limpeza das mãos e dos pés. E também através dos Nyasas que são ralizados antes dos ritos. 
2. Sthana Shodhana, a purificação do local. Esta é feita pela limpeza fisica do ambiente, pela Dvara Puja (estabelecimento dos protetores à entrada do local) e pela aspersão de agua consagrada. 
3. Mantra Shodhana, a purificação do Mantra. Os Mantras transmitidos dentro do Parampara (linha sucessória) não necessitam de cuidados especiais porém há procedimentos como o Matrka Nyasa e Samskaras especificos para tornar o Mantra viável para uso regular. 
4. Bhavana Shodhana, a "purificação da perspectiva". Da mesma forma que uma criança pode ver num poodle uma horrivel ameaça devido à uma perspectiva equivocada o adepto pode apresentar perspctivas equivocadas sobre o Mantra, o rito e o processo como um todo. O conhecimento do Viniyoga e o Dhyanam e a conversa com o Guru (Upadesha) são indicados aqui. 
5. Dravya Shodhana, a purificação dos artigos que serão oferecidos em gratidão. Ela é feita através da critewriosa escolha do que será adequado e da asperção do Samanyarghya.

               A purificação inadequada no caso de um rito Nitya pode produzir a associação com forças alheias á natureza do rito (Dosha), ou seja, o devoto acha que está adorando e se relacionando com uma Deidade e, na verdade, está apenas alimentando forças ilusórias. Várias tradições espirituais reconhecem a possibilidade de que um “obsessor”/”demônio” venha à se passar por  um Ser elevado e se aproprie de suas oferendas. Os Kriyas, os atos rituais, que evitam este risco são: a purificação do espaço do rito (Dvara Puja, Bhumi Puja...) e a clara identificação do destinatário das oferendas (recitação do Dhyanam e, portanto, a criação de uma clara visualização da Deidade e a recitação do respectivo Gayatri Mantra, ou seja, a compreensão da Deidade em seus três momentos distintos).

               No caso de um rito Naimittika a impureza (Chidram) pode reduzir o resultado alcançado da mesma forma que um alicerce mal feito reduz a resistência de uma construção. Ritos importantes como a  consagração de uma representação da Divindade (Prana Pratishtha) ou uma iniciação (Diksha) precisam de ritos auxiliares (Anga Kriyas) para que todos os aspectos relevantes sejam alcançados – não basta que o novo iniciado seja veiculo das forças evocadas (que é o foco da iniciação), ele deve também ter uma vida equilibrada, com saúde e sucesso (Siddhi) em suas aspirações.

               Num rito Kamya o cuidado com a purificação prévia deve ser ainda mais criterioso. Uma eventual impureza (Dosha/Chidram) pode levar a resultados opostos àqueles esperados. A narrativa da vingança da Asuri Diti contra o Deus Indra (vide Agni Purana XIX) é um alerta à este risco:
“ Nas inúmeras batalhas dos Devas contra os Asuras ocorreram várias perdas. Diti, uma Asuri, era a mãe de muitos Asuras que foram vencidos por Indra e, magoada, ela montou um plano de vingança. Ela propiciou o sábio (Rshi) Kashyapa para que tivesse um filho que se tornaria o destruidor de Indra. Então, após muitas disciplinas espirituais (Tapasya) ela engravidou ...... Entretanto ela foi negligente em suas purificações prévias e, aproveitando-se desta falha, Indra obteve acesso ao seu ventre e lá desalojou o futuro filho e o transformou nos 49 Maruts que tornaram-se seus assistentes.” Ou seja, o resultado obtido por Diti foi o oposto daquele que foi desejado devido à sua desatenção nas purificações necessárias.

               A correção de eventuais falhas rituais é feita através de um procedimento chamado “Prayashchitta” (“expiação”). Nele o devoto vai ao principal fundamento de uma prática, à própria raiz dela, e lá tenta corrigir eventuais falhas. Um exemplo muitíssimo comum, embora pouco compreendido pode ilustrar essa prática: no rito de AgniHotra o adepto recita dois Mantras – para Surya durante o dia ou para Agni Deva durante a noite e após estes Mantras ele oferece uma oblação de ghee à Prajapati. Esta oblação é um Prayashchitta feito para superar eventuais falhas na oblação anterior (à Surya Deva ou à Agni Deva). Mas ...... Por que ? Prajapati foi quem estabeleceu todos os Yajñas, todos os ritos, inclusive o AgniHotra, e a oblação feita à ele é uma generosa lembrança para agradece-lo pelo privilégio de participar diretamente na obra da criação. O conhecimento adequado (Jñana) associado a vontade sincera (Iccha) e a ação que os reafirma (Kriya) geram os méritos que purificam todo o AgniHotra através do Mantra e oblação de Prajapati.

               A prática do Prayashchitta tem uma expressão muito comum que é a recitação do Kshamapana, a obtenção da competência. Esta recitação pode ser tão complexa quanto um hino (Stotra) ou tão simples quanto um pequeno verso (Shloka). Para o devoto dualista está prática é vista como um “pedido de perdão à Divindade” pelos eventuais erros, para o adepto não-dualista (Advaita) ela é vista como a reflexão de que todos os aspectos relevantes de sua ação não puderam ser deixados explícitos, ou por falta de tempo, de recursos ou de conhecimento. Mas, em ambas as perspectivas a prática é idêntica. Esta é mais uma bela característica do Dharma – embora sob perspectivas diferentes todos se envolvem nas mesmas ações. Jaya Maa.





A estória de Joãozinho


A estória de Joãozinho

Joãozinho era uma pessoa simples mas tinha uma intensa busca espiritual. Ele buscava respostas para as duvidas em seu coração e um belo dia Joãozinho encontrou uma comunidade Católica no FaceBook. Ele nunca tinha entrado numa igreja, nunca tinha sequer visto uma pessoalmente mas achou tudo aquilo muito lindo ..... Logo no dia seguinte Joãozinho espalhou para todos os seus amiguinhos que ele era católico e que os ensinaria sobre aquela bela religião. Na semana seguinte Joãozinho já se preparava para rezar a sua primeira missa e pensava em mudar o nome de seu perfil para Bispo Joãozinho......

Imaginar uma situação patética como esta é engraçado e ninguém poderia supor que  pudesse ser real ........ mas é o que pode acontecer com religiões de locais distantes como o Sanatana Dharma (Hinduismo) ou o Tantra Hindu ou Budista. O sujeito nada sabe mas se apresenta com um perfil de liderança.  - Mas, como ele consegue simular um conhecimento que  ele não tem ?  - Ele usa jargões simples e superficiais como: “Não precisamos de instrução !”, “Siga seu próprio coração !”, “Cada um interpreta como quiser !” (Sola Scriptura) ...... Distorcendo uma parte da Verdade para esconder sua ignorância.

Pessoas assim não são católicas, não são Budistas e nem sequer Hindus. A sua fantasia pessoal de que “cada um faz do seu jeito” as aproxima das seitas protestantes e da crença que uma pequena leitura de um livrinho ou de uma página na internet as tornará especialistas da fé (Sola Scriptura). Elas não conseguem perceber que o Dharma Tantrico vai muito além de um livrinho e que há muito o que aprender por convívio, reflexão e vivencia pessoal. Joãozinho com sua roupinha de freira (que ele achou bonitinha) se preparando pra “rezar sua missa” é um exemplo disto. Ele nunca foi batizado, nunca assistiu uma missa e nem foi consagrado padre mas em sua soberba ele se considerava o maior dos católicos. Não sabia rezar um terço, nunca fez uma novena, não conhecia sequer o traje dos padres e, então, sua roupa de freira o traia e mostrava a todos a sua ignorância.

Não é de se estranhar que sujeitos assim terminem seus dias num galpão de adoração pentecostal ou num manicômio. O nosso Joãozinho era sincero em sua busca espiritual mas lhe faltava maturidade para aceitar que precisava se aprofundar e lhe faltava também humildade para buscar aqueles que poderiam ensiná-lo.


segunda-feira, 26 de dezembro de 2016

Postura Ideal


Qual é a melhor postura para fazer uma Puja ou outra disciplina espiritual ?

As disciplinas espirituais (Sadhanas) como a Puja, a cerimonia de fogo (Homa/Havana), a recitação das escrituras (Patha) e outras tem como objetivo estabelecer uma maior afinidade com a força espiritual da Divindade, ou seja, propiciar uma natural e intuitiva identificação onde o ideal Védico de “Tat Tvam Asi” (Tu és aquilo) se manifeste.

Todo este processo de progressiva identificação com a Divindade através da meditação (Dhyana) e do transe místico (Samadhi) é detalhadamente descrito nos Yoga Sutras de Patañjali. Nessa escritura estabelece-se que um dos primeiros passos deste processo é conquistar uma postura estável, ou seja, conquistar um Asana. O Asana deve ser confortável o suficiente para que possa ser mantido pelo tempo necessário sem desestabilizar a mente com dores ou outras aflições do corpo físico.

Algumas Sadhanas, algumas disciplinas espirituais, podem se estender por tempo considerável ...... ninguém quer partir quando está em boa companhia, não é mesmo ? ;)  E quem seria melhor companhia do que o nosso próprio ideal de perfeição e Divindade (Ishta Devata) ? Para desfrutar do privilégio de estar em adoração tanto a mente quanto o corpo devem estar preparados. A escolha de uma postura firme e confortável é muito importante neste sentido. A postura simples de lótus é uma ótima escolha e o devoto pode treinar seu corpo à permanecer nela por períodos cada vez maiores.

Algumas outras posturas são adequadas para disciplinas espirituais (Sadhanas) especificas e outras, por sua vez, são inadequadas. Por exemplo, a postura do cadáver (Shavasana) é usada em algumas Sadhanas Tantricas que são praticadas no campo crematório, esta postura facilita a identificação do iniciado com o alicerce usado nesta prática. A postura de joelhos, muito comum na adoração ocidental, deve ser evitada pois além da instabilidade em mantê-la e do eventual desconforto , ela está associada à uma atitude psicológica de submissão que não combina com o preceito Védico de identificação com a Divindade e seus desígnios. O homem no Dharma não é um mero joguete das forças do destino, ele é atuante na criação de melhores condições para sua vida (Artha) e é um ativo buscador da União com a Divindade (Moksha).


Jaya Maa !