Uma das características que é mais destacada no Ocidente à
respeito do Kaula Dharma é o seu conceito de que o corpo humano é sagrado. Não
uma sacralidade irreverente e da boca pra fora, mas sim uma sacralidade
efetiva, atuante e motivadora. Nas práticas de Nyasas vivemos esta sacralidade
onde Bija Mantras são estabelecidos em diferentes partes do corpo. E na medida
em que avançamos no caminho praticamos também os complexos Nyasas onde as
energias especificas de cada Chakra ou as vibrações sonoras do alfabeto
Sânscrito são estabelecidas.
Conhecedores destes “mapas energéticos” onde todas as forças
do cosmo se encontram representadas, podemos então nos aventurar às Pujas, aos
ritos mais elaborados de adoração. A Puja mais característica do conceito que
estamos comentando é o Kaulika Puja, o rito onde a Divindade é adorada através
da presença de um(a) Kaula Sadhaka(ika). O adepto se identifica com a forma da
Divindade que é seu ideal de perfeição (Ishta Devata) e se mantém em profunda
meditação enquanto os Pujaris recitam os Mantras e realizam todos os atos
rituais. A experiência é muito forte e marcante pois há uma notável diferença
entre adorar uma representação da Divindade que tenha limites de interação e
outra representação que interaja intensamente.
Variações do Kaulika Puja são muito correntes, talvez a mais
conhecida seja a Kumari Puja onde uma pequena menina é adorada após ser
preparada para ser uma representação da Deusa. Esta Puja festiva é feita junto
aos pais da criança e ao final há muito presentes e doces. Este rito se tornou
muito difundido entre as várias linhagens Tantrikas e até algumas não-Tantrikas.
Os reis da dinastia Malla do Nepal, que governaram por mais de cinco séculos
até o final dos anos 1700, exerceram grande influência no estabelecimento desta
prática. Tanto os reis quanto o amplo corpo sacerdotal, os Newar, eram (e ainda
são) adeptos do Kaula Dharma. E até hoje muitos costumes daquele período de
apogeu permanecem.
Outras variações são praticadas com mais reserva pelos iniciados,
não porque haja algum segredo, mas sim porque envolvem o trabalho com conteúdos
psíquicos muito profundos. A celebração de uma destas Pujas sem o Bhavana
(estado mental) apropriado seria apenas uma profanação fetichista, sem efeitos
na mente e nas condições de vida do aventureiro não-iniciado. Um destes ritos é
a Yoni Puja onde o próprio poder de criação da Deusa é adorado em toda a sua
plenitude. Em vários Kulas (famílias espirituais) este rito é realizado e
dominado muito antes que o Sadhaka se aventure à oferecer o quinto e ultimo M
em adoração à Deusa. Existe uma espécie de ansiedade fantasiosa no Ocidente em
relação com a ultima oferenda do Pancha Makara, como se ela fosse a principal
oferenda do rito quando, na verdade, ela é apenas a representação dos frutos
obtidos (KarmaPhala) pelo oferecimento dos quatro Ms anteriores e primordiais. A
ascensão de Kula Kundalini (o quinto M) é a consagração desta Puja, é o
levantar do troféu ao término da exaustiva competição. Que glória pode haver em
imitar o levantamento do troféu sem nunca ter competido ?
Os primeiros Nyasas à ser aprendidos são, em geral, aqueles
usados nas Pujas comuns que se limitam ao Kara e ao Anga Nyasas
(respectivamente das mãos e das partes do corpo). Para se aprofundar e conhecer
mais Nyasas sugerimos uma prática muito auspiciosa, que pode ser feita
diariamente, que é o Navarna Mantra Vidhi. Lá muitos Nyasas especiais são
apresentados pois o Mantra celebrado através deles é considerado a própria
essência do Chandi Path, ele é a semente de onde toda aquela escritura se
manifesta. Mais à frente o Bahya Matrka Nyasa é uma outra sugestão de estudos
avançados, nele todas as vibrações do alfabeto Sânscrito são estabelecidas no
corpo ou nos respectivos Chakras.
Após dominarmos a realização destas Sadhanas (disciplinas espirituais)
é que poderemos apreciar com plena compreensão a realização de ritos
aparentemente simples como o Kaulika Puja. Após a disciplinada prática das
Sadhanas preliminares todos os conceitos estão introjetados, ou seja, tornam-se
parte do próprio modo de pensar do adepto. Da mesma forma que uma bailarina
transmite leveza e sensibilidade, até em seus movimentos cotidianos, após anos
de disciplina ou lutador de Judô deixa transparecer sua estabilidade e força, o
mesmo acontece com o Kaula Sadhaka após os anos de disciplinas espirituais
muito sutis, que atuam primeiro nos corpos energéticos antes de se manifestarem
no plano físico.
Um comentário:
Para entender os conceitos envolvidos leia: http://www.kaulatantra.com.br/2012/07/samadhi-extase-mistico.html
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