SADHANA TÂNTRICA
[ASSUNTOS: 1 . O entendimento correto da Brahmani a respeito do mestre.
2 . Porque ela lhe pediu para ele fazer Sadhana Tântrica. 3 . Como a Brahmani
pôde pensar em ajudá-lo, uma Encarnação. 4 . A ansiedade dela para agir assim.
5 . O mestre pedindo permissão da Mãe Divina. 6 . O zelo do mestre na Sadhana.
7 . Construção do assento no Panchavati . 8 . Vendo a Deusa na mulher. 9 .
Renúncia à aversão. 10 . O comportamento do mestre por ocasião das Sadhanas
Tântricas. 11 . A história de Ganesha. 12 . A volta ao redor do universo por
Ganesha e Kartikeya. 13 . A singularidade do mestre em sua Sadhana Tântrica. 14
. O propósito divino por detrás de tudo isso. 15 . A implicação do sucesso do mestre
sem associação com uma mulher. 16 . Objetivo das práticas Tântricas. 17 . Outra
razão para o sucesso do mestre sem associação com uma mulher. 18 . Suas
experiências durante a Sadhana Tântrica. 19 . Repartindo a comida tomada pelos
chacais e cães. 20 . Penetração pelo fogo do conhecimento. 21 . O despertar da
Kundalini. 22 . Visão da Brahmayoni. 23 . Anahata Dhvani. 24 . Inutilidade dos
poderes miraculosos. 25 . A conversa do mestre com Swami Vivekananda a esse
respeito. 26 . O poder ilusório da Mãe Universal. 27 . A beleza de Shodasi, a
Mahavidya. 28 . Resultados da Sadhana Tântrica. 29 . Esplendor da pessoa do mestre.
30 . A Bhairavi Brahmani, uma parte de Yogamaya.]
1. Brahmani Bhairavi não
chegou à conclusão sobre a natureza incomum do mestre somente pela razão e
dedução. O leitor pode recordar-se do que ela disse ao mestre, em seu primeiro
encontro com ele, que tinha que entrar em contato com três pessoas, Shri
Ramakrishna e mais duas outras e ajudá-las em seu desenvolvimento espiritual.
Ela havia recebido ordem da Mãe do Universo muito antes de ter tido o privilégio
de encontrar o mestre. Foi sua percepção interior, resultante de suas práticas
espirituais, que a trouxe a Dakshineswar e ajudou-a a entender o mestre. Com o
passar dos dias, à medida que a associação de Brahmani com o mestre se tornava
cada vez mais íntima, compreendeu o papel que ela teria em sua Sadhana e a
natureza da assistência que deveria dar-lhe. Portanto, agora não passava o
tempo em simplesmente mudar a concepção errônea que as pessoas tinham a
respeito dele, mas obrigava o mestre a praticar diversas disciplinas
espirituais de acordo com as prescrições estritas das escrituras, para que ele,
tendo uma visão perfeita da Mãe Universal e dotado de Sua graça e favor
infinitos se tornasse firmemente estabelecido em Seu próprio poder divino, isto
é, em sua verdadeira natureza.
2. A Brahmani, ela mesma uma avançada praticante,
ao ver o mestre e conversar com ele, não levou muito tempo para compreender que
o mestre não poderia livrar-se das dúvidas sobre seu próprio estado, porque
havia alcançado, até então, a visão da Mãe Divina somente com a ajuda de sua
extraordinária devoção, ao invés de seguir estritamente os tradicionais
caminhos dos instrutores espirituais. Por isso surgia de vez em quando na mente
dele, a dúvida se suas visões da Mãe Divina, eram ou não o resultado de um
desarranjo do cérebro, ou se suas extraordinárias mudanças físicas e mentais
eram sintomas de uma doença maligna. A Brahmani pensou no assunto e induziu o mestre
a seguir o caminho da disciplina dos Tantras. Ela sabia que, assim que o mestre
seguisse o caminho da disciplina trilhado pelos Sadhakas do passado e tivesse
experiências dos estados espirituais semelhantes àqueles experimentados por
eles, compreenderia que seus estados não eram produzidos por qualquer doença.
Quando ele visse relatado, nos Tantras, que determinados resultados eram
produzidos pela execução de ritos particulares e quando ele próprio conseguisse
aqueles resultados pela prática daqueles ritos, teria a firme convicção de que,
pela disciplina, o homem alcança experiências fora do comum ao elevar-se a
planos de consciência, no campo interior, cada vez mais altos e que seus
estados físicos e mentais haviam sido produzidos somente daquela maneira. O
resultado seria que, por mais estranhas que fossem as experiências que ele
viesse a ter no futuro, ele as consideraria verdadeiras e iria em direção a seu
objetivo sem ser perturbado por elas. A Brahmani sabia que as escrituras, por
esta razão, aconselhavam que o aspirante sempre comparasse as experiências de
sua própria vida com as palavras do Guru e com os Shastras, para ver se concordavam
ou não.
3. Por que a Brahmani
empenhava-se em fazer o mestre praticar aquelas disciplinas, embora soubesse
que ele era uma Encarnação Divina? Ou será que aquele que compreende a glória
das Encarnações de Deus aceita a conclusão de que elas são perfeitas e que as
disciplinas são completamente desnecessárias para elas? Respondemos que isso
teria sido verdadeiro, se a Brahmani sempre estivesse consciente somente da
grandeza transcendente do mestre e livre da afeição pessoal por ele. Mas esse
não foi o caso. A Brahmani sentiu desde o primeiro encontro, uma afeição
maternal pelo mestre. Não há na terra nada mais poderoso do que o amor para
obliterar numa pessoa, a consciência de poder sobre o objeto de seu amor e
impeli-la a fazer o que considera bom. Portanto não há dúvida que foi sua
afeição sincera que impeliu a Brahmani a induzir o mestre a fazer aquelas
práticas espirituais, embora conhecesse a grandeza dele. O mesmo ocorreu nas
vidas de todas as Encarnações. Apesar das pessoas ligadas a esses seres serem
às vezes tomadas por temor pelo conhecimento de seus extraordinários poderes
espirituais, elas, como se vê, esquecem-se de tudo no momento seguinte e, encantadas
pela atração de seu objeto de amor, sentem-se contentes simplesmente em
oferecer-lhes o amor de seus corações, buscando o seu bem-estar,. De maneira
semelhante, a Brahmani, embora maravilhada com os freqüentes e extraordinários
êxtases e com a manifestação de poderes no mestre, imediatamente esquecia sua
importância, cega pelo amor maternal. Não é necessário dizer que a afeição
filial autêntica do mestre por ela e sua absoluta dependência e fé nela não
tiveram um papel pequeno ao levantar ondas ternas, embora austeras, de afeto
maternal no coração da Sannyasini. Foi esse afeto maternal que a fez
esquecer-se dos poderes dele e impeliu-a a suportar problemas para tornar o mestre
feliz, protegendo-o das tiranias dos outros e ajudando-o em sua Sadhana naquela
fase de sua vida.
4. Quando há oportunidade de
ensinar um discípulo extraordinariamente brilhante, surge, naturalmente, no
coração do Guru, um contentamento e uma satisfação supremos. A Brahmani jamais
havia sonhado que, no mundo espiritual poderia nascer, na época atual, uma
pessoa tão elevada e competente como o mestre. Por isso podemos imaginar a
alegria que deve ter enchido o seu coração, ao ter a oportunidade de ensiná-lo.
Não é de se admirar que ela estivesse tão ansiosa para que o mestre experimentasse,
em pouco tempo, os resultados de seus estudos e austeridade.
5. Ouvimos do próprio mestre
que ele havia perguntado à Mãe Divina sobre a justeza e necessidade das
disciplinas, de acordo com os Tantras, antes de começar a praticá-las e que as
havia feito com Sua permissão. Portanto, não foi simplesmente a ansiedade e a
persuasão da Brahmani que o fizeram levar a cabo aqueles exercícios
espirituais, mas também sua percepção interior, nascida da Sadhana. Essa
percepção fez com que sentisse no fundo do seu coração que a oportunidade de
alcançar o conhecimento imediato da Mãe Divina recorrendo aos métodos das
escrituras, havia chegado. Assim, a mente concentrada de RamaKrishna, agora,
adiantara-se rapidamente, movida pelo poder da aspiração, ao longo do caminho
da Sadhana ensinada pela Brahmani. Não nos é possível, mortais comuns, sentir a
medida e a intensidade daquela ansiedade porque, onde está aquela tranqüilidade
e aquele direcionamento de nossas mentes para um só ponto, distraídos como
somos por muitas e para muitas direções? Onde está em nós aquela coragem sem
limites, para mergulharmos de cabeça no mar de consciência profunda e tocar seu
fundo, em vez de sermos iludidos pelas faltas de suas ondas superficiais
representadas pelos objetos da consciência normal? Onde está em nós o poder de
erradicar o apego a todas as coisas do mundo, incluindo nossos próprios corpos
e mergulhar, com total abandono, nas profundezas da interiorização espiritual
para realizar o que o mestre nos recomendava repetidamente, ao dizer,
“Mergulhem profundamente, mergulhem nas profundezas de vocês mesmos.” Soubemos
que tomados pela angústia de seu coração, o Mestre esfregava o rosto nas
margens de areia do Ganga, no Panchavati, dizendo. “Mãe, revela-Te,” e isso foi
um dia ou dois? Persistiu inabalável e os dias passavam. Aquelas palavras
apenas entram em nossos corações, mas não ocasionam ecos correspondentes em
nossos corações. E como pode ser diferente? Temos a fé infantil do mestre, que
tudo consome, na existência da Mãe Divina e na oportunidade de alcançar Sua
visão renunciando a tudo e chamando-A com a mais profunda ansiedade do coração?
6. Um dia, em Kassipur, Shri
RamaKrishna surpreendeu-nos ao falar da intensidade de seu anseio espiritual na
época da Sadhana.
Testemunhamos o desejo
ardente do Swami Vivekananda pela realização de Deus – como, o despertar
espiritual lhe veio quando ia depositar a taxa para o exame de Direito: como,
tomado por intenso anseio e esquecido do mundo, correu pela cidade como louco,
descalço e coberto somente por uma simples peça de roupa, até chegar ao mestre
e obter sua graça ao revelar-lhe a angústia de seu coração; como, desde então,
dia e noite passava o tempo em Japa, meditação, canções religiosas e leituras e
estudo espiritual; como, devido ao entusiasmo sem limite pela Sadhana, seu
coração normalmente terno tornou-se duro, ficando indiferente ao sofrimento da
mãe e dos irmãos; e como, avançando com devoção integral no caminho da Sadhana,
determinado por seu preceptor, teve visão após visão, culminando por desfrutar
a felicidade do Nirvikalpa Samadhi, após período de três ou quatro meses. Tudo
isso ocorreu diante de nossos olhos e deixou-nos atônitos. Profundamente
satisfeito, o mestre costumava exaltar a devoção extraordinária do Swami e sua
ansiedade e entusiasmo pelas práticas espirituais. Um dia, naquela época, o mestre
comparou o amor do Swami e seu entusiasmo pela Sadhana, com os seus próprios e
disse, “A devoção e entusiasmo de Narendra são realmente extraordinários, mas
comparados com a ansiedade daqui (mostrando a si próprio), o seu é
absolutamente comum. Não é nem um quarto daquele.” Pode imaginar a surpresa que
sentimos com aquelas palavras do mestre?
Assim Shri RamaKrishna
aceitou a sugestão da Mãe Universal, esqueceu tudo o mais e mergulhou na
prática espiritual. A erudita Brahmani esforçou-se bastante para conseguir, de
diversos lugares, os artigos necessários para certos ritos e deu ao mestre instruções
relativas à sua aplicação.
7. Os crânios[1] de cinco
seres mortos, inclusive o de um homem, foram trazidos de algum lugar, longe do
Ganges; e dois altares [2] propícios
às práticas Tântricas foram construídos, um sob a árvore Bilva, situado no
limite norte do Templo e o outro, no Panchavati, plantado pelo próprio mestre.
Sentado em qualquer um desses ‘crânios-assentos’, segundo a necessidade, o mestre
passava o tempo em Japa, meditação, etc. Esse Sadhaka extraordinário e sua Guru
não tiveram consciência, durante alguns meses, de quantos dias e quantas noites
se passaram. O mestre costumava dizer,[3] “Durante o
dia a Brahmani ia a diversos lugares, longe do Templo, apanhava e trazia
artigos raros prescritos pelos Tantras. Colocando-os sob a árvore Bilva ou no
Panchavati à noite, ela me chamava, ensinava-me a usar tais coisas e ajudava-me
a fazer a adoração da Mãe Divina segundo as regras prescritas com sua ajuda,
pedindo por fim, para mergulhar em Japa e meditação. Eu fazia tudo de acordo,
mas tinha que fazer pouco Japa; porque, mal passava o rosário uma vez,
mergulhava completamente em Samadhi e realizava os resultados próprios daqueles
ritos. Assim não havia limite para minhas visões e experiências, todas
extraordinárias. A Brahmani fez-me executar, uma após a outra, todas as
disciplinas prescritas nos sessenta e quatro Tantras principais, todas difíceis
de fazer e, ao tentar praticá-las, muitos Sadhakas fracassaram. Mas passei por
todas elas com sucesso, pela graça da Mãe.
8. “Numa ocasião vi que a
Brahmani havia trazido – ninguém sabia de onde – uma linda mulher, em plena
juventude e disse-me, ‘Meu filho, adora-a como a Deusa.’ Quando a adoração
terminou ela disse, ‘Sente-se em seu colo, meu filho, e faça Japa.’ Fui tomado
de medo, chorei amargamente e disse à Mãe, ‘Ó Mãe, Ó Mãe! Mãe do Universo! Que
ordem é essa que Tu dás àquele que tomou refúgio absoluto em Ti? Tem Teu fraco
filho o poder de ser tão imprudentemente arrojado?’ Mas logo que disse isso,
senti como se estivesse tomado por alguma força desconhecida e um vigor
extraordinário encheu meu coração. Logo que acabei de me sentar no colo da
mulher, pronunciando os Mantras, como hipnotizado, inconsciente do que estava
fazendo, mergulhei completamente em Samadhi. Quando retomei à consciência, vi
a Brahmani servindo-me com muito cuidado, tentando trazer-me à consciência
normal. Ela disse, ‘O rito foi completado, meu filho; outros, com muita
dificuldade conseguem controlar-se sob tais circunstâncias e então terminam o
rito com Japa nominal somente por pouco tempo; mas você perdeu toda a
consciência e esteve em Samadhi profundo.’ Ao ouvir isso tranqüilizei-me e
comecei a saudar a Mãe repetidamente, com o coração grato por me ter permitido
passar ileso por aquela prova.
“Noutra ocasião vi que a
Brahmani havia cozinhado peixe no crânio de um cadáver e feito Tarpana.
Pediu-me para fazer o mesmo e tomar aquele peixe. Assim o fiz e não senti
qualquer aversão.
9. Mas no dia em que a
Brahmani trouxe um pedaço de carne em decomposição e pediu-me que a tocasse com
a língua depois do Tarpana, senti aversão e disse, ‘Isso pode ser feito?’ Assim
indagada, ela respondeu, ‘O que há de mal, meu filho? Veja como faço.’ Assim,
colocou um pedaço em sua boca e disse, ‘A aversão não deve ser cultivada,’ e
colocou, novamente, um pouco diante de mim. Quando a vi agir assim, a idéia da
terrível forma Chandika da Mãe Universal surgiu em minha mente e pronunciando
repetidamente ‘Mãe’, entrei em BhavaSamadhi. Não senti então aversão quando a
Brahmani colocou o pedaço em minha língua.
10. “Tendo assim me iniciado
no Purnabhisheka, a Brahmani ordenou-me fazer, diariamente, os numerosos ritos
Tântricos. Agora não me recordo de todos os detalhes, mas lembro-me do dia em
que pude, pela graça da Mãe, assistir, com perfeita equanimidade, o prazer
supremo de um casal de amantes, nada mais vendo do que o maravilhoso jogo do
Divino. A mente em vez de descer à vizinhança dos sentimentos humanos comuns
elevou-se cada vez mais alto, mergulhando, por fim, em Samadhi profundo. Depois
de retomar à consciência normal, ouvi a Brahmani dizer, ‘Você alcançou o
objetivo desejado de uma Sadhana Tântrica muito difícil e estabeleceu-se no
estado divino. Esta é a última Sadhana da atitude ‘heróica’ de adoração.’
“Pouco tempo depois fiz a
adoração da figura feminina segundo os ritos Tântricos, com a ajuda de uma
outra Bhairavi, no hall aberto de música do Templo, na presença de todos,
durante o dia. Quando terminei saudei-a segundo as prescrições dos Shastras.
Esse foi o último rito relacionado com a atitude heróica de adoração, que
completei daquela maneira. Mesmo que minha atitude mental a respeito de todas
as mulheres, isto é, a de um filho para com sua mãe tenha permanecido
inalterada durante toda a Sadhana Tântrica, assim também jamais pude
experimentar uma gota de vinho naquela ocasião. A simples menção da palavra Madya
(vinho) inspirava em mim a experiência da Causa Universal e eu me perdia nela
completamente. De forma semelhante, logo que ouvia outras palavras daquele
tipo, a Causa do Universo apresentava-Se diante de mim e eu entrava em Samadhi.
11. Um dia, enquanto ainda
vivia em Dakshineswar, o mestre mencionou sua atitude filial em relação a todas
as mulheres e contou-nos uma história dos Puranas. A história fala quão
firmemente o conhecimento da relação filial com todas as mulheres, sem exceção
estabeleceu-se no coração de Ganesha, o chefe dos iluminados. Antes de nos
contarem aquela história, não tínhamos muita devoção e reverência por esse Deus
barrigudo com cara de elefante, com suor escorregando das têmporas. Mas quando
ouvimos a história dos lábios santos do mestre, ficamos convencidos que Ganesha
era realmente digno de ser adorado antes de todos os deuses, como de fato o é.
A história é como se segue:
Um dia Ganesha, com tenra
idade, enquanto brincava, viu um gato em quem, por brincadeira, bateu, feriu e
torturou de diversas maneiras. O gato conseguiu fugir com vida. Quando Ganesha
se acalmou e foi até sua mãe, viu com surpresa, marcas de pancada em várias
partes do sagrado corpo da Deusa. Muito desgostoso em ver aquele estado de sua
mãe, o menino perguntou-lhe a razão. A Devi respondeu-lhe tristemente, “Você
mesmo é a causa desta minha triste condição!” Mais triste do que surpreso, o
dedicado Ganesha disse com lágrimas nos olhos, “Que estranho! Mãe, quando bati
na senhora? Não me recordo que Sua criança, ignorante como é, tenha feito qualquer
ato mau pelo qual a senhora tenha que sofrer insultos de alguém.”
Parvati Devi, cuja forma
externa densa é o universo, disse: “Procure recordar se você bateu em algum ser
vivo hoje.” “Sim”, disse Ganesha, “Eu bati num gato há pouco tempo.” Ganesha pensou
que o dono do gato havia batido em sua mãe. A mãe de Ganesha tomou o rapaz
arrependido em seus braços e consolou-o, dizendo, “Não é assim, meu filho,
ninguém bateu em meu corpo; mas fui eu quem assumiu a forma de um gato; é por
isso que está vendo as marcas de suas pancadas em mim. Você agiu sem saber;
portanto, não se lamente; mas lembre-se, de hoje em diante, que todos os Jivas
do mundo que têm forma feminina são partes de mim e os que têm forma masculina
são partes de seu pai. Não há outras pessoas ou coisas no mundo a não ser Shiva
e Shakti.” Ganesha teve fé naquelas palavras e guardou-as, como relíquias, no
santuário do coração. Quando atingiu a idade de se casar, não consentiu em
fazê-lo porque assim, teria que se casar com sua mãe. Ganesha permaneceu um
Brahmachari toda a vida e tornou-se o mais importante entre os seres
iluminados, porquanto sempre teve no coração a certeza de que o universo era da
natureza de Shiva e Shakti, Brahman e Seu Poder.
12. Depois dessa narrativa, o
mestre contou-nos a seguinte história que também, revela a grandeza do
conhecimento de Ganesha; mostrando certa vez o valioso colar de pedras
preciosas em seu pescoço a Ganesha e Kartikeya, Parvati Devi disse-lhes, “Darei
este colar àquele que andar em volta do Universo, compreendendo os quatorze
mundos e voltar para mim, em primeiro lugar.” Kartikeya, Comandante do exército
celestial, tendo como veículo um pavão, sorriu com certo desdém, pensando no
corpo gordo, pesado e barrigudo do irmão , na pouca força e no movimento vagaroso
do rato, sua montaria, ficando absolutamente certo de que o colar já era seu. Imediatamente
começou a fazer a volta em torno do universo. Muito tempo depois da partida de
Kartikeya, o tranqüilo Ganesha deixou seu lugar calmamente e vendo, com os olhos
do conhecimento, que o universo era formado de Shiva e Shakti, localizado nos
corpos de Hara e Parvati, circulou-os de maneira graciosa, adorou-os e sentou-se.
Muito tempo depois, Kartikeya voltou. Satisfeita com o conhecimento e a devoção
de Ganesha, Parvati Devi colocou o colar de pedras preciosas afetuosamente em
seu pescoço como símbolo de Sua graça.
Assim mencionando a grandeza
do conhecimento de Ganesha e sua relação filial com todas as mulheres sem
exceção, Shri RamaKrishna disse, “Minha atitude com as mulheres é a
mesma; é por isso que tive a visão da forma maternal da Causa do Universo em
minha esposa e adorei-a, inclinando-me a seus pés.”
13. Não ouvimos falar de
nenhum outro Sadhaka, em qualquer época que, mantendo intacta aquela atitude
filial para com todas as mulheres, tenha adotado as disciplinas Tântricas
segundo as regras prescritas para o modo heróico de adoração. Seguindo essa
maneira heróica, os aspirantes têm, ao longo do tempo, tomado uma companheira
por ocasião de sua Sadhana. Como não vêem qualquer aspirante da atitude heróica
abrir mão dessa prática, as pessoas têm a firme convicção de que a realização
do objetivo desejado da disciplina, isto é, alcançar a graça da Mãe Divina, é
impossível sem essa prática. Tal idéia conferiu às escrituras conhecidas como
Tantras, uma reputação desfavorável.
14. Somente o mestre, a
Encarnação dessa época, veio estabelecer uma nova tradição a esse respeito,
quando não manteve a companhia de uma mulher nem mesmo em sonho. Através da
prática do Mestre da adoração heróica, apesar de manter a atitude filial para
com todas as mulheres, um propósito oculto da Mãe é revelado.
15. O mestre disse, “Não
levei mais de três dias para ser bem sucedido em qualquer das disciplinas.
Quando escolhia uma determinada disciplina e importunava a Mãe Divina, com
ardente ansiedade no coração, para realizar seu objetivo, Ela benignamente
coroava-me de sucesso, dentro do curto período de três dias.” Está claramente
provado que a presença de uma mulher não é auxiliar indispensável para aquelas
práticas, porquanto o mestre foi bem sucedido naquelas disciplinas num período
bem curto, sem utilizar uma mulher. A promessa dos Tantras que, pela prática
contínua de seus ritos com uma companheira, um Sadhaka pode eventualmente
alcançar o estado divino ou Divyabhava (estado acima da natureza do sexo), é
somente uma concessão feita ao homem fraco e exemplo de cuidado para tornar sua
disciplina acessível a todos. Jamais deve ser considerada uma prescrição
obrigatória.
16. O objetivo comum a todas
as práticas Tântricas é dar ao aspirante, através do autocontrole e
perseverança, a certeza de que vista, gosto e outras experiências dos sentidos
que tentam os seres humanos e acarretam-lhe repetidos nascimentos e mortes,
impedindo-o de alcançar o conhecimento pela realização de Deus – nada mais são
do que formas verdadeiras de Deus. Levando em consideração as diferenças na capacidade
de autocontrole e no grau de certeza alcançado pelos aspirantes, os Tantras
lidaram com três tipos diferentes de adoração, a saber, o “animal” ou Pashu, o
“heróico” ou Vira e o “divino” ou Divya [4] e
aconselham-nos a adorar Deus adotando o primeiro, o segundo ou o terceiro modo,
de acordo com cada aptidão. Ao longo do tempo as pessoas esqueceram-se quase
completamente que as práticas Tântricas frutificariam somente se os aspirantes
observassem um austero autocontrole, como base daquelas disciplinas. Ao invés,
cederam à sensualidade grosseira devido à sua fraqueza, mas sem o conhecimento
adequado, as pessoas, contudo, começaram a culpar os Tantras pelos abusos de
seus seguidores. O sucesso do mestre, mesmo mantendo a atitude filial em
relação a todas as mulheres através dessas práticas, foi de grande benefício
tanto para os aspirantes sinceros, como para as escrituras Tântricas – para os
primeiros, ao mostrar-lhes o verdadeiro caminho para alcançarem o objetivo de
suas vidas e para as escrituras, mostrando sua verdadeira glória e
estabelecendo, firmemente sua autenticidade.
17. Embora o mestre tenha
praticado as disciplinas, segundo os mistérios Tântricos durante três ou quatro
anos, parece que ele não nos disse qual a ordem em que foram praticadas nem nos
deu qualquer relato detalhado a esse respeito. Mas a fim de encorajar-nos no
caminho da Sadhana, falou-nos sobre esses eventos em diversas ocasiões e,
segundo as necessidades individuais, fez com que alguns raros entre nós
fizéssemos aquelas práticas. A Mãe do Universo, parece, tornou o mestre
familiarizado com esse caminho naquela época, porque se ele não tivesse tido as
experiências fora do comum das práticas Tântricas, não teria sido capaz de
detectar os estados mentais dos devotos, de diferentes naturezas, que vieram a
ele, no final de sua vida e de conduzi-los no caminho da Sadhana. O mestre
guiou, ao longo dos diversos caminhos de disciplinas, os devotos que vieram a
ele e tomaram refúgio a seus pés.
18. Além de nos falar sobre
as práticas Tântricas, Shri RamaKrishna às vezes contava muitas de suas visões
e experiências. Uma mudança total ocorreu em sua natureza interior por ocasião
de sua Sadhana Tântrica.
19. Ao saber que a Mãe Divina
às vezes assumia a forma de um chacal e que o cachorro era o transporte da
Bhairava, passou a considerar os restos da comida desses animais como puros e
sagrados, comendo-os, sem hesitar, como Prasada.
20. Oferecendo, como oblações
aos pés de lótus da Mãe Divina, seu corpo, sua mente, sua vida e tudo o mais, o
mestre via-se incessantemente penetrado interna e externamente, pelo fogo do
conhecimento.
21. O mestre viu nessa época
o despertar da Kundalini prosseguindo até o alto da cabeça.. Todos os lótus, do
Muladhara, o centro básico, até o Sahasrara de mil pétalas na cabeça,
ergueram-se e desabrocharam plenamente. Logo que isto ocorreu, teve
experiências estranhas e maravilhosas. Viu, por exemplo, que um ser celestial
e luminoso atravessava o Sushumna, o Canal Central, até aquele lótus subindo e
os fazia florescer ao tocá-los com a língua.
22. Certa vez, quando Swami
Vivekananda sentou-se em meditação, apareceu diante dele, um muito grande e
maravilhoso triângulo de luz que ele sentiu como se estivesse vivo. Um dia
vindo a Dakshineswar, falou a Shri RamaKrishna a esse respeito e o mestre
disse, “Muito bem, você viu o Brahmayoni; enquanto eu praticava Sadhana sob a
árvore Bilva também o vi. E o que é mais, observei-o dando à luz a inúmeros
mundos a cada momento.”
23. Por essa época o mestre
ouviu, surgindo naturalmente e sem cessar, de todos os lugares do universo, o
Anahata Dhvani, o grande som Pranava, que é formado de todos os diferentes sons
do universo. Alguns entre nós, ouviram do próprio mestre que naquela época, ele
podia compreender a linguagem dos animais.
24. Nesse período, Shri
RamaKrishna viu a Própria Mãe Divina na forma feminina. No final desse tempo o
mestre viu-se diante de poderes miraculosos, como o de tornar-se tão pequeno
como o átomo. Um dia foi, a pedido de Hriday, até a Mãe Universal para saber a
respeito da propriedade de usá-los e ouviu que deveriam ser rejeitados e
descartados como fezes. O mestre disse que desde então, soava-lhe repugnante
ouvir o termo ‘poder miraculoso’ (Siddhi).
25. Estamos nos recordando de
algo a respeito do mestre e os ‘oito poderes miraculosos’. Um dia chamou
particularmente Swami Vivekananda ao Panchavati e disse-lhe, “Olhe. Tenho os
bem conhecidos ‘oito poderes miraculosos.’ Há muito tempo, entretanto, decidi
que jamais faria uso deles; nem sinto necessidade de usá-los. Como você terá
muitas coisas a fazer, como pregar o Dharma; decidi dá-los a você; aqui estão.”
Em resposta o Swami lhe disse, “Senhor, eles me ajudarão de algum modo a
realizar Deus?” O mestre respondeu que não, mas que em certos trabalhos, como
pregar religião, poderiam ser úteis. O Swami recusou-se a aceitá-los, para a
imensa alegria do mestre.
26. O mestre, nessa época,
desejou ver o poder de ilusão da Mãe do Universo. Em conseqüência viu uma
figura feminina de extraordinária beleza surgindo das águas do Ganges e
dirigindo-se, com um andar elegante, ao Panchavati. Em seguida, viu que aquela
figura estava em adiantado estado de gravidez. Pouco tempo depois deu à luz a
um lindo menino, em sua presença e logo amamentou-o com muito carinho; viu,
contudo, que a mesma figura assumiu uma forma muito cruel e assustadora.
Tomando o bebê em sua boca, mastigou-o e engoliu-o. Depois entrou nas águas do
rio do qual havia surgido.
27. Além das visões acima
mencionadas, não havia limite para o número de formas da Deusa, desde a de dois
braços até a de dez braços, que viu naquele período. Assim também algumas
conversaram com ele e instruíram-no. Embora todas aquelas formas da Mãe fossem
extraordinariamente belas, disse-nos que não podiam comparar-se à de Sri
Rajarajeswari, também chamada Shodashi. O Mestre dizia, “Vi, numa visão, a
beleza da pessoa de Shodasi, que se diluía e se espalhava em volta, iluminando
todos os lugares.” Naquela ocasião o mestre teve visões de várias formas masculinas
como Bhairava e também, dos seres celestiais. Desde a época de sua Sadhana
Tântrica houve tantas visões extraordinárias e experiências na vida do mestre
dia após dia, que está além de nossa capacidade enumerá-las todas.
28. Ouvimos do mestre que
desde a época da Sadhana Tântrica, o orifício de seu Sushumna foi completamente
aberto e sua natureza transformada permanentemente na de um menino. Desde a
última parte desse período ele não mais pôde conservar a roupa, o cordão
sagrado etc., em seu corpo por nenhum momento, apesar de seus esforços. Não
sentia onde, nem quando, todas essas coisas caíram. Não é necessário dizer que
esse estado era causado pela ausência da consciência do corpo, devido ao fato
de sua mente permanecer sempre absorvida nos pés de lótus da Mãe Divina.
Soubemos pelo próprio RamaKrishna que, ao contrário dos Paramahamsas comuns,
ele jamais foi um monge errante ou andou nu – e que esse estado lhe veio
naturalmente com a perda gradual da consciência corpórea. O mestre dizia que,
no final dessas disciplinas, seu conhecimento da não-dualidade em relação a
todas as coisas aumentou tanto que sentia que tudo aquilo que considerava
insignificante desde a infância parecia-lhe agora ser tão puro quanto as coisas
mais puras. Afirmava, “As folhas do manjericão sagrado (Tulasi) e as da Sajña pareciam-me igualmente
sagradas.”
29. O esplendor da pessoa do mestre
aumentou tanto em poucos anos desde aquela época, que ele tornou-se o centro de
atração, o tempo todo. Como era destituído de egoísmo, orou à Mãe Divina várias
ocasiões para libertá-lo daquela beleza celestial e implorando dizia, “Mãe, não
necessito dessa beleza exterior; toma-a em seu lugar e dá-me beleza espiritual
interior.” Esse pedido foi atendido mais tarde.
30. Assim como a Brahmani
ajudou o mestre em sua Sadhana Tântrica, assim o mestre ajudou a Brahmani mais
tarde a desenvolver sua vida espiritual. Sem a ajuda do mestre ela não poderia
ter se estabelecido no estado divino. Seu nome era Yogeswari que, segundo Mestre,
era parte de Yogamaya (poder místico do Senhor).
Alcançando os poderes divinos
pela Sadhana Tântrica, o mestre soube que, pela graça da Mãe Divina, muitas
pessoas viriam até ele nos últimos dias para cumprirem o objetivo de suas
vidas, isto é, atingir a iluminação espiritual. Ele falou sobre isso a Hriday e
a Mathur, que era extremamente dedicado a ele. Mathur respondeu, “Ótimo, Pai!
Vamos todos nós nos divertir em sua companhia.”
[1] Agora
ouve, Ó Rainha dos Devas, a melhor Sadhana com a ajuda dos crânios, com a qual
o Sadhaka alcança a meta suprema que é a Própria Devi, Ó Aquela de rosto
excelente; “os três crânios” são os de um homem, de um búfalo e de um gato ou
são “três crânios somente de um homem e as cabeças de chacal, de cobra, de
cachorro e de um touro e, entre elas, a cabeça de um homem. Caso contrário, somente
os cinco crânios de um homem são chamados, Ó Poderosa, em conjunto, “os cinco
crânios”... E um altar, de um palmo quadrado, deve ser feito. Ou um altar de
quatro cúbitos quadrados, Ó Devi, deve ser construído.” Yogini Tantra, Patala V.
[2] Os
Sadhakas geralmente fazem um altar sobre as cinco cabeças enterradas e sentadas
sobre ele, praticam Japa, meditação etc. Mas o mestre não falou-nos de “dois
assentos de crânios”. Os três crânios humanos foram enterrados debaixo do
altar, debaixo da árvore Bilva e cinco crânios de cinco espécies de seres
mortos, enterrados debaixo daquele, no Panchavati. Em pouco tempo tornou-se
perfeito em suas Sadhanas. Jogou aqueles crânios no Ganges e derrubou ambos os
altares. Foram feitos “dois assentos” porque o assento dos “três crânios” era
favorável à Sadhana ou porque o lugar sob a árvore Bilva era, naquela época,
completamente solitário e portanto, mais adequado para as Sadhanas. Ou pode ser
que nenhum fogo para o Homa pudesse ser aceso sob a árvore Bilva, devido à
proximidade do depósito da “Companhia” (depósito do Governo da Índia).
[3] Damos
aqui, de uma forma interligada, o que ouvimos do mestre por diversas vezes.
[4] O que
se segue é importante para a classificação. Pashu ou o homem de mentalidade
animal é aquele que não tem muito autocontrole. Provavelmente sucumbe aos
objetos dos sentidos se for exposto a eles. Tem, portanto, que seguir
estritamente, a prática da ‘virtude enclausurada’, isto é, de evitar expor-se
aos objetos tentadores dos sentidos. As Sadhanas para ele são baseadas nesse
princípio. O Vira ou Sadhaka heróico é aquele cujo poder de autocontrole está
altamente desenvolvido, e cuja convicção nos ensinamentos dos Tantras, de que
todas as manifestações da natureza – nobres, belas e sublimes, bem como as
degradantes, tentadoras, terríficas e repulsivas – são expressões da Mãe Divina
é desenvolvido o suficiente para que ele se mantenha impassível mesmo quando
exposto a elas. É colocado nessas situações como teste de sua força e não, para
sucumbir a elas sob o disfarce de piedade. O Divya ou personagem divino é
aquele que provou sua força e visão interior e cuja natureza dos sentidos foi
completamente divinizada. Vê Deus em tudo.
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