sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Sobre o Kaula Guru - parte 1




Todos aqueles que buscam um caminho espiritual certamente o fazem por um anseio interno, uma busca pela Divindade que vêm do mais intimo de suas almas. A maioria daqueles que buscam o fazem com sinceridade em seus corações. Da mesma forma talvez a maioria daqueles que se propõe à auxiliar neste caminho o fazem com sinceridade pois acreditam naquilo que estão fazendo.

Entretanto a sinceridade do buscador ou do instrutor não são absolutas para garantir o sucesso (Siddhi) numa iniciativa. Mesmo o pedreiro mais sincero pode ver a ponte construída por ele cair se o conhecimento necessário para erguê-la não for seguido. Erguer pontes é um trabalho de grande responsabilidade que exige maiores capacitações do que aquelas de um homem que só dispõe da prática à seu favor, sem ter seguido os requisitos básicos para alcançar uma formação superior.

Os requisitos que se que se referem à um Guru Tantriko podem ser verificados diretamente nas escrituras que preservam este Vidya (este conhecimento, esta ciência). È lá que o buscador sincero pode encontrar referências para guiá-lo na direção de um Guru capacitado. O Kularnava Tantra em seu capítulo XIII fala que o Guru se dedica á prática dos três tipos de rituais: diários, ocasionais e voluntários (respectivamente Nitya, Naimittika e Kamya Karmas); é equânime diante do elogio ou da critica; é fiel ao seu Dharma (à sua tradição) e é conhecedor do significado dos Mudras, entre outras características. Neste mesmo capítulo o Guru de um tipo superior é descrito como aquele que conhece o simbolismo do Chakra, dos Mantras e da Puja (verso 81); aquele que conhece as técnicas para oferendas tanto internas quanto externas e, (portanto) sabe preparar (desenhar) belos Yantras para adoração (verso 87) e aquel que conhece o procedimento de todos os ritos (verso 117).

Os versos finais do capítulo também sugerem o procedimento que o discípulo pode adotar na sua busca, caso tenha tido um equivoco:
“ Entretanto se o alguém seguir um Guru que não possui conhecimento e que cria duvidas, não há demérito em buscar um outro Guru ”. Verso 131
“ Tal qual a abelha sedenta por mel indo de flor em flor. O discípulo sedento de conhecimento vai de Guru à Guru “. Verso 132
Isto entretanto não deve ser interpretado como um estimulo ao diletantismo ou à mera especulação intelectual estéril.
“ Ao obter um Guru que condiz com todas as características, que esclarece todas as duvidas e passa o conhecimento de forma que o satisfaça, o discípulo não deve buscar outro “. Verso 130
“ ... apesar de vários Gurus, é somente aquele que dá a iniciação completa que deve ser venerado “. Verso 129

Bem, vemos então que o discípulo pode buscar o conhecimento em várias fontes sem futilizar sua jornada. As escrituras têm um grande exemplo na estória de DashaRatha, ele era discípulo do sábio Vasishtha. Ele deseja ter filhos e havia ouvido falar de um grande Yajña que lhe daria aquela benção, ao indagar seu Guru sobre aquele ritual, Vasishtha lhe respondeu: “Eu sou um celibatário e, portanto, não conheço este Yajña. Vá até o sábio Shringa, ele vai realizar este rito para você.” Neste caso o próprio Guru sugeriu que o discípulo buscasse outro mestre de forma à obter um conhecimento muito especifico. O Guru principal é um Mula Guru enquanto os demais são os Upa Gurus, aqueles que nos ensinam procedimentos específicos.

Na busca de um Guru algumas dicas podem ser de grande utilidade. Pergunte sobre seus mestres anteriores. Verifique se ele segue o exemplo da tradição que representa. Esta fidelidade vai muito além das roupas que ele veste ou dos símbolos que usa. Por exemplo, um Guru de linhagem Hindu que fala usando termos Budistas é alguém que pode parecer um tanto confuso. Alguém que alega passar conhecimentos muito profundos porém que não conhece o mais básico e simples de sua tradição demonstra que não seguiu os passos necessários para apresentar-se como “um mestre”. Tal qual nosso exemplo do pedreiro, que embora muito sincero, não pode salvar sua ponte. O mesmo acontece com um grande engenheiro sem conhecimentos práticos do cotidiano, que, portanto, não poderia supervisionar a obra em seus estágios mais básicos.

Que Mãe Kali nos abençoe, Jaya Ma !

4 comentários:

Rudrananda Saraswati disse...

अपौरुषेयम् वाक्यम् वेदः
apauruṣeyam vākyam vedaḥ

Rudrananda Saraswati disse...

O grande mestre Shri RamaKrishna sempre seguiu a orientação das escrituras e buscou um Guru em cada disciplina espiritual que praticou. Nas práticas Tantrikas sua Guru foi Brahmani Bhairavi.

Vide em nossa seção de arquivos "Sadhanas Tantrikas feitas por Shri RamaKrishna".

"Para alcançar Brahma, Vishnu e Shiva a devoção ao Guru é o único caminho. " Kularnava Tantra XII, 40

Unknown disse...

Primeiramente, quero agradecer a disponibilização do arquivo sobre as sadhanas de Ramakrishna, pela felicidade de ler essa maravilhosa experiência e dizer que não há necessidade de postar este comentário, queria tão somente dizer que no meu limitado, diria até medíocre entendimento, me pareceu que a Bhairavi imediatamente conheceu que ele já era um iniciado, um yogi, um santo, um avatara. Numa comparação grosseira com o cristianismo, foi mais ou menos quando Jesus se apresentou a João para ser batizado e João disse “mas eu é que deveria ser batizado por ti” e Jesus respondeu “deve ser assim para que se cumpram as escrituras”.
Quando você colocou a citação da escritura sagrada, me veio à mente que Shri Ramakrishna não alcançou Brahma, Vishnu e Shiva, mas o que ocorreu foi justamente o contrário, a Divindade o alcançou. A consciência de Kali se fundiu à consciência do devoto, antes mesmo que ele tivesse quaisquer Guru, por meio de prema um dom natural em seu coração. De fato a Deusa Kali foi o Guru Deva. Parece que algumas pessoas não escolhem, são escolhidas e em algum ponto da existência despertam, no caso dele, foi desde a infância, há pessoas que desde o ventre, outras já adultas. A única coisa que me constrangeu um pouco, é que ao converter o arquivo em PDF, verifiquei que na data de 01/06/2012 consta um histórico de revisão por usuário desconhecido, e particularmente não aprecio revisões, porque sempre me reporta à idéia de confiabilidade. Numa revisão, trechos podem ser omitidos, adaptados ou mesmo acrescidos. Mas, valeu, Rudra, continuarei acompanhando seu blog e aguardando a associação ao seu grupo, porque amo interagir, conversar e trocar idéias. Jaya Maa!!

Unknown disse...

3º)Estes mesmos Tantras afirmam que através do mérito adquirido em várias encarnações a alma se inclina às doutrinas Tantrikas, ou seja, o adepto não é um fantoche "escolhido" por uma força externa à ele. Ele escolhe e percorre o caminho iniciático devido à disciplina e méritos acumulados. Não há aqui a doutrina de um salvador que privilegia à alguns em detrimento dos demais, cada qual colhe conforme os esforços de seu plantio, ou seja, de acordo com seu Karma.[Também não consegui assimilar o que você expressou aqui. Na dinâmica individual de busca pela realização, ou ainda pela relação direta alcançada pelo praticante com a Divindade de sua escolha, essa escolha não é aleatória, algo a motivou, e justamente seria uma força interna à ele. O Eu Superior está dentro e não faz o bhakta um fantoche escolhido, mas um bem-aventurado. Assim como a recíproca não é verdadeira: escolher a Deus de forma externa, não faz da Divindade um objeto (um fantoche?). Deus está na mente do homem. As Divindades cultuadas nos diferentes sampradayas, não são forças externas ao devoto. São forças internas e intrinsecamente ligadas ao indivíduo que está no caminho da bhakti.]