segunda-feira, 30 de abril de 2012

Uma estória Kapalika




Namaste amigos,

A Índia é uma terra cheia de narrativas que falam da Divindade e nos inspiram à reflexão. Gostaria de brindá-los com a estória do encontro de um Kapalika com o grande sábio Shankaracharya e o interessante desenrolar desta aventura.

Madhavacharya, que era discípulo do sábio Shankaracharya nos conta que nas montanhas de ShriParvata próximas ao rio Krishna havia um Kapalika chamado Ugra Bhairava que realizava suas Sadhanas (disciplinas espirituais) na região. Certa vez este Kapalika viu Shankaracharya nas proximidades e percebeu que suas ambições estavam próximas de ser realizadas. Ugra Bhairava então se aproximou de Shankaracharya e lhe prestou plenas reverências.

Na seqüência o Kapalika disse: -“Eu me dedicarei à satisfazer Kapalin (um dos nomes do Senhor Shiva) e desta forma alcançar meus objetivos. Eu adorei Ugra (outro nome de Shiva) através de severas austeridades por cem anos de forma que eu pudesse habitar no monte Kailasha e desfrutar a companhia de Shiva”. Muito satisfeito o Senhor Shiva lhe disse: -“Você conquistará a meta que os homens tanto desejam se, com o objetivo de me propiciar, você sacrificar numa cerimônia de fogo (Homa) a cabeça de um grande sábio ou a cabeça de um rei.” Após estas palavras o Senhor Shiva desapareceu. O Kapalika continuou: -“Desde aquele momento eu tenho buscado com a mente cheia de esperança porém eu ainda não encontrei um rei ou um sábio desejosos de serem sacrificados.”

De forma à persuadir Shankaracharya à ceder diante de seu desejo implícito Ugra Bhairava começou à louvar os grandes méritos do auto-sacrificio: -“Sou muito afortunado eu ter lhe visto, ó grande sábio que peregrinas pelo mundo para o bem-estar de todos os seus habitantes. Em breve meus desejos serão pacificados, pois os apegos de um homem terminam quando ele alcança o ponto de vista correto. O crânio de um rei coroado ou de um grande sábio são pré-requisitos para que eu obtenha Siddhi (o sucesso em seus objetivos). Quanto ao rei, não é sequer concebível que eu obtenha pois o dever de um rei é proteger seus súditos e estar sempre presente. Portanto cabe à ti esta importante realização. Ao oferecer sua cabeça tu alcançarás imensa fama em todo o Universo, e eu alcançarei Siddhis. Após meditar no caráter transitório do corpo, ó melhor entre os homens, tu deves fazer aquilo que é digno e auspicioso. Eu não posso me atrever à pedir por isto. Quem iria voluntariamente abandonar seu corpo, através do qual os desejos são realizados ? Entretanto tu és indiferente aos desejos mundanos e não se importa com o corpo. Tu assumiste seu próprio corpo para o beneficio da humanidade.”

O Kapalika tentava usar as doutrinas do Vedanta de Shankaracharya contra ele mesmo. Ugra Bhairava então se comparou, com grande modéstia, aos homens que só pensam em si-mesmos. Ele comentou que os homens que abandonam seus corpos transitórios em favor do bem-estar dos outros adquirem um eterno corpo de glória (Yasho Sharira). Suas excelentes virtudes encantam á toda a humanidade. Após vários outros versos do mesmo teor Ugra Bhairava fez então o seu pedido: -“Tu deves oferecer tua cabeça à mim”. Shankaracharya foi tocado pela comovente suplica e concordou em atender aquele pedido. Ele pensou: -“ Qual verdadeiro sábio, que sabe que o corpo humano é transitório, não atenderia aos apelos de um suplicante ?” Shankaracharya tinha que se basear nos princípios de sua teologia, na medida em que o Atman é a única realidade final, pouco importa o que acontece ao corpo. Ele é apenas uma criação de Maya (sob o ponto de vista do Vedanta).

Percebendo que seus discípulos jamais permitiriam este gesto, Shankaracharya combinou com Ugra Bhairava que se encontrariam num lugar secreto. Ele então se dirigiu à um lugar deserto e escondido de seus discípulos. Com toda a opulência Kapalika Ugra Bhairava foi buscar sua recompensa. Segurando um tridente erguido, cauteloso, usando Tilakas feitas com cinzas por todo o seu corpo nú, ostentando ornamentos feitos de ossos humanos e com os olhos vermelhos aparentando embriagues o Kapalika foi de encontro ao sábio.

Shankaracharya estava lá, sentado em posição Yogue de Siddhasana, esquecido de todo o universo, mergulhado em Samadhi (transe místico). Quando viu o sábio sentado em Siddhasana os temores de Ugra Bhairava se dissiparam e ele se preparou para agir com seu tridente. Tão logo ele se aproximou de Shankaracharya, um discípulo do sábio chamado PadmaPada chegou. Este discípulo era MantraSiddha (havia conquistado os poderes dos Mantras) e logo trouxe à sua mente a imagem de NrSimha Deva que socorre os aflitos que o evocam. Instantaneamente o discípulo se transformou em NrSimha, correu com grande velocidade e saltou sobre Ugra Bhairava cravando suas garras em seu peito. O Kapalika então abandonou seu disfarce e se mostrou em sua verdadeira identidade – o Senhor Shiva na forma terrível de Bhairava. Ele então se dirigiu à Shankaracharya e falou numa voz que ressoava como trovões: -“Senhor, esta é um derrota para o não-dualismo (Advaita), onde esta sua igualdade para com amigos ou inimigos ? Da mesma forma que um lutador derruba seu adversário derrubando-se à si mesmo, eu realizei a queda da sua doutrina através da perda de meu próprio corpo. E, agora, tu vais encontrar teu próprio destino ! Levante-se ! Tu deves lutar !”

Na seqüência o Senhor Shiva na sua forma de Bhairava lutou e decapitou Shankaracharya e quatro de seus discípulos que haviam chegado ao local. Após o combate o sábio e seus discípulos foram ressuscitados com o Mrtyunjaya Mantra (o Mantra que vence a morte) e foi então que surgiu o verdadeiro desapego – o Karma Yoga, a ação sem apego aos frutos.

No Kularnava Tantra o Senhor Shiva diz: “Alguns aceitam o dualismo (Dvaita) e outros o não-dualismo (Advaita) porém eles não conhecem minha essência que está além do dualismo e do não-dualismo”.

Que Mãe Kali nos abençoe

Rudra

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