terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Corpo Sagrado





Uma das características que é mais destacada no Ocidente à respeito do Kaula Dharma é o seu conceito de que o corpo humano é sagrado. Não uma sacralidade irreverente e da boca pra fora, mas sim uma sacralidade efetiva, atuante e motivadora. Nas práticas de Nyasas vivemos esta sacralidade onde Bija Mantras são estabelecidos em diferentes partes do corpo. E na medida em que avançamos no caminho praticamos também os complexos Nyasas onde as energias especificas de cada Chakra ou as vibrações sonoras do alfabeto Sânscrito são estabelecidas.

Conhecedores destes “mapas energéticos” onde todas as forças do cosmo se encontram representadas, podemos então nos aventurar às Pujas, aos ritos mais elaborados de adoração. A Puja mais característica do conceito que estamos comentando é o Kaulika Puja, o rito onde a Divindade é adorada através da presença de um(a) Kaula Sadhaka(ika). O adepto se identifica com a forma da Divindade que é seu ideal de perfeição (Ishta Devata) e se mantém em profunda meditação enquanto os Pujaris recitam os Mantras e realizam todos os atos rituais. A experiência é muito forte e marcante pois há uma notável diferença entre adorar uma representação da Divindade que tenha limites de interação e outra representação que interaja intensamente.

Variações do Kaulika Puja são muito correntes, talvez a mais conhecida seja a Kumari Puja onde uma pequena menina é adorada após ser preparada para ser uma representação da Deusa. Esta Puja festiva é feita junto aos pais da criança e ao final há muito presentes e doces. Este rito se tornou muito difundido entre as várias linhagens Tantrikas e até algumas não-Tantrikas. Os reis da dinastia Malla do Nepal, que governaram por mais de cinco séculos até o final dos anos 1700, exerceram grande influência no estabelecimento desta prática. Tanto os reis quanto o amplo corpo sacerdotal, os Newar, eram (e ainda são) adeptos do Kaula Dharma. E até hoje muitos costumes daquele período de apogeu permanecem.

Outras variações são praticadas com mais reserva pelos iniciados, não porque haja algum segredo, mas sim porque envolvem o trabalho com conteúdos psíquicos muito profundos. A celebração de uma destas Pujas sem o Bhavana (estado mental) apropriado seria apenas uma profanação fetichista, sem efeitos na mente e nas condições de vida do aventureiro não-iniciado. Um destes ritos é a Yoni Puja onde o próprio poder de criação da Deusa é adorado em toda a sua plenitude. Em vários Kulas (famílias espirituais) este rito é realizado e dominado muito antes que o Sadhaka se aventure à oferecer o quinto e ultimo M em adoração à Deusa. Existe uma espécie de ansiedade fantasiosa no Ocidente em relação com a ultima oferenda do Pancha Makara, como se ela fosse a principal oferenda do rito quando, na verdade, ela é apenas a representação dos frutos obtidos (KarmaPhala) pelo oferecimento dos quatro Ms anteriores e primordiais. A ascensão de Kula Kundalini (o quinto M) é a consagração desta Puja, é o levantar do troféu ao término da exaustiva competição. Que glória pode haver em imitar o levantamento do troféu sem nunca ter competido ?

Os primeiros Nyasas à ser aprendidos são, em geral, aqueles usados nas Pujas comuns que se limitam ao Kara e ao Anga Nyasas (respectivamente das mãos e das partes do corpo). Para se aprofundar e conhecer mais Nyasas sugerimos uma prática muito auspiciosa, que pode ser feita diariamente, que é o Navarna Mantra Vidhi. Lá muitos Nyasas especiais são apresentados pois o Mantra celebrado através deles é considerado a própria essência do Chandi Path, ele é a semente de onde toda aquela escritura se manifesta. Mais à frente o Bahya Matrka Nyasa é uma outra sugestão de estudos avançados, nele todas as vibrações do alfabeto Sânscrito são estabelecidas no corpo ou nos respectivos Chakras.

Após dominarmos a realização destas Sadhanas (disciplinas espirituais) é que poderemos apreciar com plena compreensão a realização de ritos aparentemente simples como o Kaulika Puja. Após a disciplinada prática das Sadhanas preliminares todos os conceitos estão introjetados, ou seja, tornam-se parte do próprio modo de pensar do adepto. Da mesma forma que uma bailarina transmite leveza e sensibilidade, até em seus movimentos cotidianos, após anos de disciplina ou lutador de Judô deixa transparecer sua estabilidade e força, o mesmo acontece com o Kaula Sadhaka após os anos de disciplinas espirituais muito sutis, que atuam primeiro nos corpos energéticos antes de se manifestarem no plano físico.

Um comentário:

Rudrananda Saraswati disse...

Para entender os conceitos envolvidos leia: http://www.kaulatantra.com.br/2012/07/samadhi-extase-mistico.html